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Astrônomos estudam química das estrelas em busca de planetas fora do sistema solar
Pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP estudaram uma amostragem de 192 estrelas parecidas com o Sol e encontraram uma correlação entre a presença de planetas e um baixo conteúdo de lítio nas suas estrelas hospedeiras por eles orbitadas.
Este achado pode ajudar a explicar por que o Sol tem uma abundância de lítio anormalmente baixa em comparação com suas estrelas “gêmeas”, similares a ele. E também pode ajudar a identificar estrelas que têm planetas em suas órbitas a partir da análise de sua composição química.
A descoberta foi feita utilizando dados do telescópio de 3,6 metros do Observatório Europeu do Sul (ESO), instalado no Chile.
O Sol é apenas uma dentre bilhões de estrelas em nossa galáxia, a Via Láctea, mas a única encontrada até o momento que hospeda seres vivos. Isso leva os astrônomos a acreditarem que a vida é algo extremamente raro no Universo.
Além disso, as condições necessárias para o desenvolvimento da vida, como, por exemplo, água em estado líquido, ainda não são completamente conhecidas. Diversos estudos conduzidos com “gêmeas solares” (estrelas com massa, temperatura e composição química muito parecidas com as do Sol) vêm revelando essa peculiaridade de nossa estrela hospedeira: o Sol possui um conteúdo de lítio muito mais baixo do que suas gêmeas de mesma idade.
Essa característica pode ser resultado do processo de formação do sistema solar. “Todo sistema planetário – composto tanto pela estrela quanto por seus planetas – é formado a partir de uma mesma nuvem de gás e poeira. Portanto, eles têm os mesmos elementos químicos disponíveis para a sua formação.
Elementos que não são facilmente condensados a altas temperaturas, como o hidrogênio ou o nitrogênio, são encontrados geralmente em forma gasosa, e são usados para compor a estrela e os planetas gasosos”, explica a astrônoma Anne Rathsam, autora principal do estudo e doutoranda no IAG.
“Por outro lado, elementos que se condensam com facilidade, por exemplo, o lítio e o ferro, formam sólidos, como os planetas rochosos, como a Terra. Sendo assim, é possível que o lítio seja ‘roubado’ da nuvem-mãe durante a formação dos sistemas planetários para compor os planetas, deixando a estrela hospedeira empobrecida em lítio.”
A pesquisa foi conduzida utilizando dados do espectrógrafo High-Accuracy Radial Velocity Planet Searcher (HARPS) do ESO para 36 estrelas que possuem planetas e 156 estrelas sem planetas detectados.
“O lítio é um elemento químico muito frágil. Ele é facilmente destruído no interior quente de estrelas, e sua abundância tende a diminuir conforme as estrelas envelhecem”, explica Anne Rathsam.
“Além disso, a quantidade de lítio que é destruída depende também da massa e do conteúdo de metais da estrela – quanto menor a massa ou maior a presença de metais, maior será a quantidade de lítio destruída. Assim, estrelas diferentes possuem conteúdos de lítio diferentes.”
Os resultados encontrados revelam que estrelas que não têm planetas conservam aproximadamente o dobro do conteúdo de lítio de estrelas com planetas.
Os testes estatísticos feitos pelos pesquisadores indicam que é improvável que esse resultado seja obtido ao acaso, ou seja, a probabilidade de que o resultado reflita o comportamento real das estrelas é alta, cerca de 99%.
“Encontramos mais um argumento em favor da hipótese de que o Sol possui composição química diferente de suas estrelas gêmeas devido, ao menos parcialmente, à presença de planetas”, afirma Anne Rathsam.
“Não apenas isso, mas agora podemos buscar por estrelas que possuem planetas a partir do estudo de suas abundâncias químicas. Quando identificarmos uma estrela com conteúdo de lítio anormalmente baixo, como no caso do Sol, teremos um indicativo de que ela pode ter planetas ainda não detectados em sua órbita.”
Em um contexto mais amplo, o estudo do lítio em diversos tipos de estrelas tem relevância fundamental na astronomia. “O lítio é um elemento fascinante. A abundância desse elemento nas estrelas mais antigas da galáxia nos fornece informações cruciais sobre os primeiros minutos do Universo”, destaca o professor do IAG, Jorge Meléndez, coautor do artigo.
“Embora não seja possível enxergar diretamente o interior estelar, o lítio é importante pois é sensível às condições de temperatura no interior das estrelas, o que permite avaliar modelos de evolução das estrelas. E, como mostrado em nosso estudo, esse elemento também parece ser chave para identificar estrelas que possuem planetas.” (Jornal da USP)