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Atrofia do cerebelo de paciente com epilepsia é ligada à doença, e não ao uso de medicamento
Estudo internacional com a participação de cientistas brasileiros mostra que a atrofia do cerebelo em pacientes com epilepsia está ligada à doença, ou seja, é uma característica que pode abrir novos caminhos para estudos. Até então, acreditava-se que a redução do volume dessa região responsável pelo equilíbrio e coordenação motora estivesse diretamente relacionada ao uso de um tipo de medicamento anticonvulsivo (a fenitoína).
O trabalho analisou dados de 1.602 pacientes de 22 países, dos quais 209 são brasileiros, e de outros 1.022 controles (382 do Brasil). Está sendo considerado a maior análise quantitativa das estruturas (morfometria) do cerebelo na epilepsia – incluindo tamanho, forma e volume.
Concluiu-se que todos os tipos da doença – focal e generalizada – apresentaram reduções “significativas” de volume cerebelar, principalmente no lobo posterior, em relação aos indivíduos-controle.
O volume menor nas regiões do lobo posterior também foi associado à maior duração da epilepsia.
Para os pesquisadores, os resultados levantam questões importantes sobre a potencial vulnerabilidade de diferentes sub-regiões cerebelares nas causas, consequências e expressão clínica de características específicas da doença.
Realizado pelo Consórcio Enigma, o estudo teve a participação do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Ainda há muitas coisas que não sabemos sobre as epilepsias. Assim como não tínhamos clareza do quanto a atrofia do cerebelo estava ligada à doença. Com esse trabalho, avançamos no entendimento de que a epilepsia tem impacto não só no cérebro como em outras regiões. É uma doença de redes. Agora precisamos começar a pensar no cerebelo como parte do entendimento do distúrbio”, explica a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Clarissa Lin Yasuda, integrante do BRAINN.
Yasuda é coautora do artigo juntamente com o neurologista Fernando Cendes, pesquisador responsável pelo BRAINN, e com Ítalo Karmann Aventurato.
“A associação entre a redução de volume da região posterior do cerebelo e a duração da doença demonstra uma neurodegeneração mais abrangente e potencialmente progressiva em todas as formas de epilepsias. Esses achados defendem uma incorporação do dano sub-regional cerebelar na neurobiologia das epilepsias e têm implicações no contexto do tratamento e manejo clínico desses pacientes”, afirma Cendes.
Resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, e sem cura, a epilepsia é uma condição neurológica em que, durante segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos, causando crises que podem se manifestar em convulsão – um tipo de crise epiléptica generalizada – ou outros tipos de crises, focais ou generalizadas.
Os pacientes com casos mais graves chegam a passar por 40 ou 50 crises por dia, com perda de sentido e queda. As crises não controladas, além de ter impacto na rotina do paciente, são um grave risco de morte súbita e prematura.
Estima-se que haja cerca de 2 milhões de brasileiros com epilepsia, sendo que pelo menos 25% não estão com a doença controlada, de acordo com o Ministério da Saúde.
No mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que 70 milhões de pessoas são afetadas pelo distúrbio, sendo um terço resistente aos tratamentos disponíveis no mercado, que são feitos com uma combinação de medicamentos nem sempre eficaz.
A maior parte das medicações disponíveis diminui a atividade dos neurônios de forma generalizada, controlando as crises, mas provoca efeitos colaterais. Em alguns casos de epilepsias focais, uma alternativa é a cirurgia para retirar a parte do cérebro que gera as crises.
No ano passado, um estudo evelou uma espécie de “arquitetura genética” da doença, mostrando alterações específicas no DNA que sinalizam maior risco para o distúrbio cerebral e avançando na possibilidade de novos tratamentos. O trabalho também teve a participação de pesquisadores do BRAINN. (Luciana Constantino/Agência FAPESP)