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    Cobertura florestal e tipo de ambiente moldam diversidade funcional de aves insetívoras na Mata Atlântica

    Cinco séculos de exploração econômica e desmatamento deixaram marcas profundas na Mata Atlântica. Um estudo aponta uma delas ao mostrar que a cobertura florestal e o tipo de ambiente são responsáveis por moldar a diversidade funcional das aves insetívoras no bioma.



    Exemplo de um serviço ecossistêmico provido pelas aves; na imagem, um Ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda) se alimentando de uma libélula. A ave faz o controle das populações de artrópodes. Foto: Enzo Coletti Manzoli


    A pesquisa revela que a fragmentação da floresta pode levar à perda de espécies que desempenham funções ecológicas específicas, como o controle de pragas, e destaca a importância de manter a conectividade entre os fragmentos florestais para preservar a biodiversidade e as funções ecológicas essenciais.

    O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp)

    A área pesquisada foi o corredor ecológico da região Cantareira-Mantiqueira, no sudeste da Mata Atlântica. Ela cobre aproximadamente 700 mil hectares e conecta o Parque Estadual da Cantareira ao Parque Estadual da Serra da Mantiqueira.

    A região é formada por diversos mosaicos paisagísticos, com variações de perda florestal e diferentes usos da terra.

    A maioria dos remanescentes florestais tem menos de 100 hectares, é isolada e formada por florestas secundárias em estágios de iniciais a médios de sucessão.

    Essas áreas são cercadas por diferentes formas de uso da terra, incluindo pastagens, agricultura em pequena escala, silvicultura, florestas em regeneração e áreas urbanas.

    Os resultados mostraram que áreas com maior cobertura florestal abrigam mais espécies com diferentes funções ecológicas. Áreas com menor cobertura florestal têm diversidade funcional reduzida, comprometendo a resiliência do ecossistema e a oferta de serviços ecológicos essenciais.

    “Isso é particularmente importante nas nossas áreas de estudo, muitas vezes compostas por matas secundárias. Ou seja, essas regiões abrigam hoje apenas uma fração das espécies que possuíam originalmente, devido à degradação que o ambiente sofreu”, afirma o biólogo Enzo Coletti Manzoli, que conduziu o trabalho durante seu mestrado, realizado na UFSCar sob a orientação de Augusto João Piratelli, professor do Departamento de Ciências Ambientais.

    A Mata Atlântica cobre aproximadamente 15% do território brasileiro e está presente em 17 Estados. Nessas áreas vivem mais de 70% da população brasileira, responsáveis por 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Hoje, restam cerca de 12% de sua cobertura original, de acordo com dados da Fundação SOS Mata Atlântica.

    Além da cobertura florestal, o tipo de ambiente desempenha um papel crucial. Florestas secundárias e áreas regeneradas, apesar de não serem equivalentes às florestas primárias em termos de biodiversidade, ainda proporcionam hábitats importantes para espécies de aves insetívoras.

    No entanto, porções altamente urbanizadas ou convertidas para agricultura intensiva mostraram uma drástica redução na diversidade funcional dessas aves.

    “O desflorestamento e a fragmentação têm sido os principais fatores de impacto sobre as espécies de aves nas últimas décadas. Em nossa pesquisa, percebemos como esses ambientes impactados podem conter menos nichos disponíveis para que as espécies de aves ocupem. Consequentemente, o comportamento das comunidades é afetado, podendo levar a uma lacuna na dinâmica de compensação entre as espécies”, explica Manzoli.

    Uma das descobertas mais preocupantes foi a constatação de que a fragmentação da floresta pode levar à perda de espécies que desempenham funções ecológicas específicas, como o controle de pragas.

    Isso ocorre porque espécies com características funcionais únicas são frequentemente as mais sensíveis à perda de hábitat e a mudanças ambientais.

    “Isso significa que as aves especialistas e suas funções ecossistêmicas podem estar sendo excluídas desses ambientes, pois já existem espécies generalistas ocupando os nichos dos quais essas aves precisam para ocorrer nessas matas em regeneração”, diz Manzoli.

    O resultado dessa perda de diversidade funcional não se limita apenas à própria mata degradada. Áreas ocupadas por plantações, onde originalmente havia floresta, podem também ser afetadas pela menor presença de aves insetívoras. Ou seja, a atividade econômica responsável pela derrubada da Mata Atlântica sofre com os problemas que causou ao bioma.

    Piratelli ressalta ainda que as áreas de pastagens representam uma pequena parcela da avifauna original, enquanto ambientes como os brejos abrigam algumas espécies não encontradas nas áreas mais florestais.

    “A fragmentação e a degradação dos hábitats podem levar a extinções locais e à perda de funções ecológicas. Isso é preocupante tanto para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica quanto para a produção agrícola", diz o orientador da pesquisa.

    Os pesquisadores utilizaram uma combinação de métodos de campo, incluindo observações e gravações de sons das aves, para catalogar as espécies presentes em diferentes áreas de estudo.

    Para avaliar a relação entre a cobertura florestal, o tipo de ambiente e a diversidade funcional das aves, foram aplicadas técnicas de análise estatística avançada.

    A pesquisa destaca a necessidade de integrar a conservação da biodiversidade com práticas de uso sustentável da terra.

    Em áreas onde a agricultura e a urbanização são inevitáveis, medidas como a criação de áreas protegidas, o manejo sustentável de florestas secundárias e a implementação de práticas agrícolas favoráveis à biodiversidade podem mitigar os impactos negativos sobre a diversidade funcional das aves.

    “O poder de predição dos índices de diversidade funcional pode ser bastante útil para apoiar a tomada de decisão em projetos de uso da terra. Podemos ter ambientes cuja diversidade seja baixa, mas que funcionalmente as aves ali presentes sejam muito diferentes em características entre si e que, por isso, elas forneçam serviços ecossistêmicos mais variados”, explica Manzoli. (Emilio Sant’Anna/Agência FAPESP)

    24 DE NOVEMBRO DE 2024



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