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    Compostos do lúpulo têm ação antiviral contra chikungunya e oropouche

    O amargor da cerveja, tão apreciado pelos humanos, parece ser impróprio aos microrganismos; pelo menos é o que dizem cientistas que encontraram na flor do lúpulo (Humulus lupulus L.), planta utilizada na fabricação da cerveja, substâncias com ação antiviral.



    Resultados até o momento são promissores, mas pesquisadora ressalta que estudos devem continuar: “para que se torne um medicamento, o caminho é longo e repleto de muitos obstáculos”. Foto: Reprodução/Pixabay


    As pesquisas, realizadas com os vírus chikungunya e o oropouche, identificaram um maior potencial contra esses vírus nos acilfloroglucinois, componentes que derivam do metabolismo da planta.

    “Esta é a primeira vez que se demonstra uma atividade antiviral promissora do lúpulo contra esses vírus tropicais”, comemora a pesquisadora Tsvetelina Mandova, que começou o trabalho com lúpulo em 2019 em seu pós-doutorado sob orientação do professor Fernando Batista da Costa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.

    Os resultados da pesquisa com o chikungunya, primeiros a serem publicados, mostram que todos os constituintes bioativos do lúpulo, com destaque para os alfa e beta ácidos (responsáveis pelo amargor da cerveja), possuem ação no vírus, sem apresentar toxicidade.

    O mesmo ocorreu com os testes para outro arbovírus, o oropouche, também transmitido por um mosquito que causa epidemias de febre oropouche, principalmente no Norte do País.

    Os experimentos foram realizados em células Vero (modelo de células de mamíferos usado em investigações sobre virologia) para simular as células hospedeiras no cultivo de vírus em laboratório.

    Quanto à atividade contra o vírus da chikungunya, se observou que todos os compostos do lúpulo testados inibem a proliferação da doença, exceto o tratamento com a mistura dos alfa e beta ácidos.

    O componente com maior poder virucida foi a fração com beta ácido de 125 µg/mL. No caso do vírus oropouche, os ácidos beta também mostraram o mais forte potencial inibitório no ensaio de pós-tratamento.

    As hipóteses para o mecanismo de ação do lúpulo contra chikungunya, segundo a pesquisadora, têm base na lipofilicidade (afinidade química com gorduras) e estrutura química dos acilfloroglucinois, o que confere a esses componentes a capacidade de interagir com algumas proteínas do chikungunya.

    Tsvetelina cita então o exemplo da nsp1, uma proteína associada à membrana do vírus que está envolvida no encapsulamento do genoma e no complexo de replicação viral. “O fato de uma molécula ter afinidade com a membrana pode afetar diferentes proteínas virais e inibir a replicação do vírus, resultando em um efeito antiviral”, afirma.

    A outra hipótese, continua Tsvetelina, tem a ver com a proteína quinase C, uma enzima chave nos processos celulares. A pesquisadora conta que já se sabe que moléculas isoladas de algumas plantas são potentes ativadores da proteína quinase C e que, por similaridade, os compostos do lúpulo também poderiam usar esse mesmo caminho contra o vírus.

    Estudo recente publicado pelo Lancet afirma que o vírus chikungunya se espalha, causando epidemias que atingem 50 países das Américas e relatam em torno de 3,7 milhões de casos suspeitos e confirmados da doença.

    “Mesmo que as condições climáticas na Europa não sejam favoráveis à propagação dos principais vetores, os mosquitos Aedes (Ae. aegypti, Ae. albopictus), houve casos na França, Itália e Romênia entre 2007 e 2010”, acentua Tsvetelina.

    No caso do oropouche, Amazonas, Pará e Acre vêm enfrentando surtos de febre oropouche neste início de 2024. Transmitida por um mosquito diferente, o Culicoides paraense, popularmente conhecido como maruim, a doença tem sintomas parecidos com a dengue e a chikungunya, como a febre alta, dor de cabeça, dores nas articulações e calafrios. Também em comum, até o momento nenhuma dessas arboviroses possui medicamento específico, apenas o controle dos sintomas.

    Para explicar por que testar a planta lúpulo contra um vírus, Tsvetelina menciona as reflexões que fazem “ao buscar pequenas moléculas para potencial terapêutico”. As estratégias dessa escolha, adianta, são: ter uma planta comum ou endêmica na região para uma doença local ou, ao contrário, usar uma planta que, originalmente, não é da mesma região, caso do lúpulo no Brasil.

    A segunda estratégia, classificada pela pesquisadora como mais complexa e menos intuitiva, parece ter sido acertada, uma vez que os acilfloroglucinois são compostos comuns a outras plantas, mas os que apresentaram melhores resultados (os tipos alfa e beta ácidos) são encontrados apenas no lúpulo. (Rita Stella/Jornal da USP)

    20 DE MARÇO DE 2024



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