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Descoberto novo mecanismo de regulação do metabolismo de glicose em células cerebrais
Estudo conduzido no Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) descreve um novo mecanismo de regulação do metabolismo de glicose em um tipo de célula cerebral conhecido como astrócito. Em experimentos com camundongos, os cientistas constataram que foi possível melhorar o desempenho cognitivo dos animais ao intervir nessa regulação.
O trabalho foi desenvolvido durante o doutorado de João Victor Cabral-Costa, sob orientação da professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) Alicia Kowaltowski.
No âmbito do Redoxoma – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP – o grupo de Kowaltowski tem se dedicado a estudar diversos processos que ocorrem na mitocôndria.
Embora essa organela celular tenha como função primária a geração de energia na forma da molécula adenosina trifosfato (ATP), ela também exerce outra atividade crucial: a captação e o armazenamento de cálcio (na forma de Ca2+, íon cálcio) – um elemento fundamental para o funcionamento do corpo.
Além de ajudar a formar ossos e dentes, o cálcio é um regulador central de funções celulares, controlando o metabolismo em vários aspectos, por exemplo, ao regular a produção de ATP e processos energéticos.
Além disso, o cálcio é um importante sinalizador dentro da célula em processos como contração muscular, diferenciação celular e inflamação, entre outros.
Durante o doutorado de Cabral-Costa, o grupo investigou o transporte de cálcio mitocondrial em astrócitos, as células mais abundantes do sistema nervoso central. Entre as funções desse tipo celular está a de fornecer nutrientes como glicose e glutamina para os neurônios.
Os astrócitos também regulam a concentração de neurotransmissores e de outras substâncias com potencial de interferir no funcionamento neuronal, como o potássio. Além disso, integram a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro contra patógenos e toxinas.
No trabalho, o grupo demonstrou que uma proteína denominada NCLX (sigla em inglês para trocador sódio-cálcio) – responsável por transportar o cálcio para fora da mitocôndria – modula o fluxo glicolítico (a degradação da glicose para gerar ATP) e a secreção de lactato (produto da transformação de glicose em energia quando não há quantidade suficiente de oxigênio, processo chamado de glicólise anaeróbica), moldando a sinalização de cálcio no interior do astrócito.
Dessa forma, o trabalho mostrou que NCLX pode atuar no controle do metabolismo cerebral, afetando o transporte de lactato de astrócitos para neurônios e, portanto, a função cerebral.
“O principal impacto desse trabalho foi a abertura de uma nova linha de pesquisa, um caminho para entender melhor a função de NCLX. Sabemos que no Alzheimer e no Parkinson ela é muito importante, além de ter um papel em outras doenças e outros órgãos. Esse é um dos primeiros trabalhos em que foi observada uma modulação do metabolismo celular por NCLX.
Pode ser que essa proteína atue como um sensor ou faça parte de um sistema de integração que ajude a detectar a demanda energética dos astrócitos – diretamente relacionada com o funcionamento de neurônios e a atividade cerebral.
Como ferramenta de pesquisa esse achado é bem importante, porque reforça a teoria da ‘lançadeira de lactato’ [termo que se refere aos transportadores de lactato presentes na membrana celular e mitocondrial], do acoplamento do metabolismo entre astrócitos e neurônios”, afirma Cabral-Costa.
Flutuações de cálcio dentro das mitocôndrias e do citosol impactam o metabolismo e a NCLX é uma proteína mitocondrial responsável pelo fluxo de cálcio mitocondrial, movendo íons de cálcio da matriz mitocondrial para o espaço intermembranar em troca de íons de sódio extramitocondriais.
O manejo do cálcio mitocondrial é fundamental para a homeostase cerebral, atuando em vários processos, como a integração da atividade astrócitos-neurônios, o controle do metabolismo energético e a neurodegeneração.
“Em geral, quando escutamos algo sobre o cérebro, é natural pensarmos logo nos neurônios, que são as células que transmitem os impulsos elétricos. De fato, a literatura é muito centrada em neurônios. Mas existem vários outros tipos celulares no cérebro, principalmente as chamadas células da glia, das quais os astrócitos fazem parte, e que são igualmente importantes”, explica o pesquisador.
Para investigar os efeitos da NCLX na função dos astrócitos, os pesquisadores inibiram farmacologicamente a proteína em uma cultura primária de astrócitos de camundongos. Como resultado, observaram um aumento do fluxo glicolítico (mais quebra de glicose para síntese de ATP) e da secreção de lactato, sugerindo que a NCLX tem um papel-chave na homeostase metabólica dessas células.
Como o lactato secretado pelos astrócitos é usado como substrato pelos neurônios, com efeitos conhecidos na memória e na plasticidade sináptica, os pesquisadores resolveram investigar o impacto dessas alterações metabólicas na função cerebral in vivo.
Para isso, deletaram a NCLX em astrócitos e em neurônios do hipocampo de camundongos e os submeteram a testes de avaliação comportamental e cognitiva. O hipocampo é uma estrutura do cérebro envolvida na formação de novas memórias e associada ao aprendizado e às emoções.
Os pesquisadores observaram que a deleção de NCLX específica de astrócitos no hipocampo melhorou aspectos do desempenho cognitivo dos camundongos. Já a deleção de NCLX em neurônios promoveu efeitos deletérios. (Agência FAPESP)