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    Efeito tóxico em células é alerta por mais estudos com suplemento "anti-envelhecimento"

    Suplemento que traz a promessa de retardar o envelhecimento e prevenir o desenvolvimento de doenças, a vitamina nicotinamida ribosídeo (derivada da vitamina B3) ainda vem sendo testada em uma variedade de estudos clínicos, mas já está no mercado.



    Esquema resumindo os efeitos da vitamina nicotinamida ribosídeo (a esquerda na imagem, sua estrutura molecular) na células do corpo; apesar de favorecer a síntese de compostos que estimulam a produção de energia, em baixas concentrações pode causar reprogramação metabólica e a morte da célula (apoptose). Foto: Jornal da USP


    Apesar de estudos em animais terem sugerido efeito benéfico na produção da coenzima NAD + pelas células, que favorece os mecanismos de geração de energia, pesquisadores da USP mostraram, em testes de laboratório, que a nicotinamida ribosídeo pode causar estresse energético e induzir a morte celular, mesmo em baixas concentrações, o que possivelmente favoreceria a ocorrência e o agravamento de doenças. Os cientistas apontam a necessidade de mais estudos sobre possíveis efeitos adversos do suplemento para que se estabeleçam condições de uso seguras.

    “A nicotinamida ribosídeo é um dos substratos para a síntese da coenzima NAD + nas células. É encontrada em baixas concentrações no leite e tem sido considerada uma vitamina precursora de NAD + , juntamente com o ácido nicotínico e nicotinamida, conhecidos como niacina ou vitamina B3”, explica ao Jornal da USP a professora Ana Paula de Melo Loureiro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, que coordenou a pesquisa.

    “As coenzimas NAD + e NADH são importantes moduladores da produção de energia (ATP) no interior das células. A NAD + é também consumida por enzimas envolvidas no controle da sobrevivência, diferenciação, crescimento e morte celular, sendo de fundamental importância para a saúde a sua constante geração pelas células, o que depende, em parte, dos precursores presentes nos alimentos”.

    “A deficiência grave na síntese de NAD + resulta na pelagra, doença caracterizada pela ocorrência de dermatite, diarreia, demência e morte. Uma grave epidemia aconteceu na primeira metade do século 20, atingindo cerca de 3 milhões de pessoas, sendo controlada a partir de meados da década de 1940, quando pesquisadores concluíram que a deficiência de niacina na dieta era o cerne do problema”, relata a professora.

    “Atualmente, a diminuição da produção de NAD + nas células ao longo dos anos é considerada um fator que propicia o desenvolvimento de doenças relacionadas ao envelhecimento, como câncer, diabetes e doenças neurodegenerativas. Assim, há o interesse na suplementação com precursores de NAD + , a fim de retardar o envelhecimento e prevenir o surgimento de doenças”.

    Os pesquisadores expuseram células BEAS-2B, linhagem estabelecida a partir de células encontradas nos tecidos do sistema respiratório, à nicotinamida ribosídeo para verificar se o aumento da geração de NAD + nas células protegeria contra a transformação maligna induzida pelo carcinógeno benzo[a]pireno, substância causadora de câncer, em modelo estabelecido pelo grupo, envolvendo a exposição ao longo de sete a oito dias.

    “Para nossa surpresa, as células expostas somente à nicotinamida ribosídeo morreram após três dias ao utilizarmos uma concentração considerada não tóxica a partir de estudos de outros pesquisadores com outras linhagens. Fizemos novos testes até atingirmos a concentração não tóxica de 1 micromolar (µM) na exposição diária ao longo de oito dias”, descreve Ana Paula.

    “Em seguida, investigamos se a baixa concentração geraria algum efeito no metabolismo celular, e apesar de não verificarmos a morte das células, ela foi suficiente para diminuir a concentração de ATP ao longo do tempo, o que nos alertou sobre a ocorrência de um desbalanço energético na exposição a nicotinamida ribosídeo”.

    Essas alterações foram observadas entre o terceiro e sétimo dia da exposição, retornando ao normal no oitavo dia, quando a demanda energética das células era menor em virtude do crescimento mais lento.

    “A partir de informações da literatura assumimos que a nicotinamida ribosídeo aumentaria a função mitocondrial, aumentando a geração de ATP, o que de fato só ocorreu no primeiro dia de exposição.

    Outra surpresa foi que mesmo com a exposição bem baixa, conseguimos observar aumento da concentração de NAD + nas células, mas somente após o oitavo dia de exposição”, observa a professora da FCF, relatando que em seguida foram avaliadas as mitocôndrias, estruturas das células que produzem energia.

    “Por meio de um teste de estresse feito com analisador Seahorse, verificamos a diminuição da respiração mitocondrial. Ou seja, por alguma razão ainda não conhecida, a exposição persistente à nicotinamida ribosídeo diminui a geração de ATP pelas mitocôndrias das células BEAS- 2B. Assim, espera-se a morte das células com a maior intensidade desse efeito, o que ocorre com o aumento da concentração de nicotinamida ribosídeo”.

    Os pesquisadores observaram, por meio da análise proteômica shotgun, a qual compreende todas as proteínas expressadas pelas células, que elas sofrem reprogramação metabólica, provavelmente em resposta à diminuição da geração de ATP mitocondrial.

    “Observamos o aumento da abundância de 19 proteínas relacionadas a essa reprogramação, e, paralelamente, a diminuição da quantidade de 12 proteínas que têm algum papel no desenvolvimento de câncer, sendo 11 delas reguladas positivamente em diferentes tipos de câncer, envolvidas no dobramento, agregação ou renovação de proteínas, na biossíntese do aminoácido L- serina, na transcrição de RNA mensageiro (mRNA), no silenciamento gênico pós- transcricional, no reparo de quebra do DNA, e na regulação da fosforilação de proteínas”, aponta Ana Paula. O L-serina está envolvido na síntese de proteínas e a fosforilação é a última etapa da respiração celular, onde é produzida a energia necessária para o funcionamento das células. “A diminuição da abundância desse conjunto de proteínas pode ter papel na diminuição do crescimento e na indução de morte celular”.

    A pesquisa também demonstra a robustez dos efeitos da nicotinamida ribosídeo nas células BEAS-2B por meio da alteração do modelo de cultura celular.

    “Para isso, fizemos o cultivo em modelo 3D (esferoides) para apresentarem características mais semelhantes com as das células em um tecido, e expusemos a diferentes concentrações de nicotinamida ribosídeo ao longo de uma semana”, relata a professora.

    “Com essa abordagem, mostramos que mesmo alterando as características celulares por meio do crescimento no modelo 3D, a nicotinamida ribosídeo induziu a morte, em todas as concentrações testadas (1 a 50 µM), e desequilibrou o estado energético das células, com estresse energético evidente para a exposição dos esferoides a 10 e 50 µM de nicotinamida ribosídeo”.

    De acordo com a professora, é possível que um pequeno aumento persistente da concentração intracelular de nicotinamida ribosídeo seja suficiente para desencadear o estresse energético, que pode levar a reprogramação metabólica ou morte das células, dependendo da condição metabólica em que se encontram.

    “Os resultados apresentados aqui levantam uma preocupação com tentativas de aumentar a biodisponibilidade da nicotinamida ribosídeo, assumindo que é completamente segura e que aumentar persistentemente sua concentração trará benefícios associados ao aumento do conteúdo celular de NAD + ”, aponta.

    “Mostramos que isso não é verdade, pelo menos para as células das linhagens BEAS-2B e 1198, que parecem ser modelos interessantes para revelar efeitos não relatados em outro experimento in vitro”.

    “Por outro lado, estratégias para entregar nicotinamida ribosídeo às células poderiam ser projetadas para matar células que já estejam sob estresse energético, como células tumorais, sendo possível que haja toxicidade seletiva”, afirma Ana Paula.

    “Nós verificamos que a linhagem celular pré-maligna 1198, derivada de tumores originários de células BEAS-2B expostas ao condensado de fumaça de cigarro e enxertadas em camundongos, foi mais sensível do que as células BEAS-2B ao efeito tóxico da nicotinamida ribosídeo”. (Júlio Bernardes/Jornal da USP)

    29 DE SETEMBRO DE 2024



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