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Estudo avalia como as emissões das 'lagoas de soda' do Pantanal contribuem para a mudança climática
As variações sazonais – com estações secas e úmidas – e o nível de nutrientes são fatores que influenciam significativamente as emissões de gases de efeito estufa das lagoas salino-alcalinas no Pantanal, consideradas menos comuns do que as de água doce no bioma.
Pesquisa realizada por cientistas das universidades de São Paulo (USP) e Federal de São Carlos (UFSCar) traz novos entendimentos sobre os fatores biológicos que impactam essas emissões e destaca a urgência de aprofundar os estudos sobre o tema.
Chamados de “lagoas de soda”, esses corpos d’água são caracterizados por elevado pH e alta concentração de sais alcalinos, entre eles carbonatos e bicarbonatos que influenciam diretamente na microbiologia desse ambiente e em sua diversidade de plânctons.
No estudo, os pesquisadores apontam a necessidade de incluir a composição e a função das comunidades microbianas nos modelos de emissão de gases de efeito estufa visando obter uma análise mais completa desses ecossistemas e de como eles podem reagir a mudanças ambientais provocadas, por exemplo, por eventos climáticos extremos e queimadas.
O Pantanal vem sofrendo com secas extremas consecutivas e recordes de incêndios, tendo em 2020 atingido o pico, com 22.116 focos de calor durante todo o ano.
Entre janeiro e agosto de 2024, o total de focos – 9.167 – já superou o registrado nos 12 meses dos últimos três anos (2023, 2022 e 2021, considerando o acumulado de cada ano separadamente), segundo o programa BDQueimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O trabalho destaca três tipos distintos de lagoas salino-alcalinas no Pantanal que variam de acordo com a composição química da água e as comunidades microbianas. São elas: lagoas turvas eutróficas (ET), turvas oligotróficas (OT) e oligotróficas claras com vegetação (CVO).
Concluiu que houve maiores emissões de metano nas lagoas turvas eutróficas – associadas ao crescimento de cianobactérias e à decomposição de matéria orgânica.
Quando essas cianobactérias morrem e se decompõem, junto com o carbono orgânico produzido pela fotossíntese, isso acelera a quebra de matéria orgânica na água pelas bactérias e arqueias.
Esse processo libera subprodutos que, ao serem metabolizados nos sedimentos, geram metano, especialmente durante períodos de seca.
As lagoas oligotróficas claras com vegetação também emitiram metano, porém, em níveis mais baixos. Por outro lado, as oligotróficas turvas não emitiram esse gás, fato possivelmente associado aos altos níveis de sulfato na água, mas liberaram dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O).
“Estamos vendo uma variação muito grande nas paisagens dessas lagoas. Desde 2017, quando fizemos a primeira coleta, foi possível observar que elas estão praticamente secando por causa do aumento de temperatura, da mudança das precipitações de chuvas e queimadas. Imagens de satélites mostram que a área de água vem diminuindo entre 2000 e 2022, além do aumento de cianobactérias, aqueles microrganismos que fazem fotossíntese e deixam a água com coloração verde. São impactos das mudanças climáticas”, afirma à Agência FAPESP Thierry Alexandre Pellegrinetti, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP (Cena-USP) e primeiro autor do artigo.
Embora as zonas úmidas naturais representem apenas entre 5% e 8% da paisagem terrestre global, elas armazenam entre 20% e 30% do carbono do solo na Terra, especialmente nas regiões tropicais e subtropicais, desempenhando um importante papel na regulação da concentração atmosférica de CO2 e afetando o clima.
No caso do Pantanal, considerada a maior área úmida tropical do mundo, além das regiões alagadas com água doce, existem cerca de mil lagoas salino-alcalinas, concentradas principalmente na sub-região de Nhecolândia, um distrito do município de Corumbá (MS) e foco da pesquisa.
O bioma, além de servir como santuário para inúmeras espécies selvagens, abriga em sua biodiversidade mais de 2 mil tipos de plantas e 580 de aves, que se beneficiam da abundante biomassa de plâncton dos lagos.
O estudo mostra uma tendência preocupante: o aumento na prevalência de lagoas com florações de cianobactérias, sugerindo que essas áreas podem se tornar emissoras significativas de gases de efeito estufa no futuro.
“O trabalho começou com foco em entender a geologia dessas lagoas, como são formadas com o tempo e analisar os ciclos biogeoquímicos mais focados nas emissões, principalmente metano, CO2 e óxido nitroso”, completa Pellegrinetti.
Para a microbiologista Simone Raposo Cotta, uma das autoras do artigo e bolsista da FAPESP, é importante destacar o papel dessas áreas.
“Todos os processos ecológicos e de funcionamento dos ecossistemas nas lagoas têm como base os microrganismos. Eles executam a ciclagem de nutrientes em geral e a manutenção de vários processos, por isso sua grande importância”, afirma Cotta, que atualmente é professora do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
Em 2022, o grupo já havia publicado um artigo em que desvendava o estilo de vida das comunidades bacterianas nas “lagoas de soda”, concluindo que durante a estação seca as cianobactérias podem se adaptar a condições ambientais adversas por meio da absorção de CO2. E em situações mais favoráveis (período chuvoso) elas sustentam o crescimento bacteriano.
Além do Pantanal, que tem as menores profundidades, essas lagoas são encontradas no Canadá, na Rússia (onde o nível de salinidade é alto) e na África, sendo maiores em tamanho e mais profundas.
A pesquisa utilizou dados metagenômicos para explorar os ciclos biogeoquímicos e a contribuição das emissões biogênicas, particularmente metano, dos corpos de água.
Cotta explica que ainda não foi possível estimar a contribuição das emissões dessas lagoas no total do bioma Pantanal e que o grupo vem trabalhando em uma série de desdobramentos, entre elas modelagens para responder a essa questão. (Luciana Constantino/Agência FAPESP)