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Estudo aponta relação entre esquizofrenia e alterações vasculares no cérebro
Estudo sugere que a esquizofrenia pode estar relacionada com alterações na vascularização de determinadas regiões do cérebro. No trabalho, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) observaram que células neurais (astrócitos) derivadas de pacientes com a doença induzem a formação de um maior número de vasos – só que mais finos –, o que pode afetar a rede vascular de algumas áreas cerebrais.
A esquizofrenia é considerada um transtorno mental grave e multifatorial, podendo afetar até 1% da população mundial. Entre os sintomas comuns estão a perda de contato com a realidade (psicose), alucinações (ouvir vozes, por exemplo), falsas convicções (delírios), pensamento e comportamento anômalos, diminuição da motivação e piora da função mental (cognição).
No estudo, os pesquisadores centraram as atenções no papel dos astrócitos – células essenciais para a manutenção dos neurônios e que funcionam como usinas energéticas do sistema nervoso central – no desenvolvimento da doença.
Além de apontar novos alvos terapêuticos, o estudo avança no entendimento de mecanismos moleculares da doença.
“Mostramos que os astrócitos podem estar envolvidos com uma alteração na espessura dos vasos do cérebro. E isso pode estar relacionado com um fator importante da esquizofrenia: a diminuição no fluxo metabólico [produção de energia] em certas regiões cerebrais.
“Isso reforça o papel dos astrócitos como um elemento central da doença, tornando-os um alvo para novas terapias”, explica Daniel Martins-de-Souza, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e um dos autores do artigo.
Os pesquisadores compararam astrócitos derivados de células da pele de pacientes com esquizofrenia com os derivados de pessoas sem a doença. Essa parte do estudo foi realizada no laboratório de Stevens Rehen, pesquisador do Idor e professor do Instituto de Biologia da UFRJ.
Para isso, a equipe reprogramou as células epiteliais de pacientes com esquizofrenia e as do grupo-controle para que regredissem a um estágio de pluripotência característico de célula-tronco (células-tronco pluripotentes induzidas ou iPSCs). Em seguida, induziu-se a diferenciação das células, transformando as iPSCs em células-tronco neurais (que podem dar origem tanto a neurônios como a astrócitos).
"Estudos anteriores já haviam sugerido que tanto anormalidades moleculares quanto funcionais dos astrócitos poderiam estar envolvidas na patogênese da esquizofrenia. Em nosso trabalho, comprovamos essa relação a partir de estudos com células-tronco pluripotentes induzidas. Sem essa técnica seria impossível estudar os astrócitos da maneira como fizemos”, explica Martins-de-Souza.
Com os astrócitos derivados de pacientes e de controles saudáveis os pesquisadores realizaram dois testes. Primeiro, foi feita uma análise proteômica (que identifica o conjunto de proteínas presentes na amostra), no Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp, verificando a variação de proteínas expressas nas células-controle e nas de pacientes com esquizofrenia.
“Avaliando a proteômica das células com esquizofrenia observamos alterações imunes associadas aos astrócitos. Também encontramos diferenças em citocinas inflamatórias e diversas outras proteínas que indicavam uma ação angiogênica [que favorece o crescimento de novos vasos] na vascularização cerebral”, informa Nascimento.
Depois da análise proteômica, os pesquisadores realizaram ensaios funcionais. Observou-se que a resposta inflamatória dos astrócitos de pacientes estava alterada e que as substâncias que liberavam afetavam a vascularização.
Para isso, os pesquisadores utilizaram um modelo de sistema vascular baseado na membrana que envolve o embrião de galinha. Conhecida como CAM (sigla em inglês para membrana corioalantoica embrionária de ovos de galinhas), a metodologia tem sido empregada para estudar o efeito de substâncias na vascularização de tecidos.
Esse ensaio foi conduzido por colaboradores da Universidad de Chile (Chile). “Basicamente, colocamos os meios condicionados de astrócitos, contendo todas as substâncias que estas células secretam, dentro da região vascular de ovos fertilizados. Conforme as células vasculares vão se multiplicando, é possível verificar como se dá a formação dos vasos. Assim, é possível observar se as substâncias secretadas pelas células cultivadas induzem ou inibem a vascularização do ovo", conta Trindade.
Além de modificarem a vascularização, os astrócitos derivados de pacientes com esquizofrenia apresentavam um perfil crônico de inflamação. “É sabido que os astrócitos são células neurais que têm o papel de regular a resposta imune na região. Portanto, é possível que eles estejam promovendo uma vascularização mais imatura ou menos eficiente. Verificamos que, em comparação ao grupo-controle, os astrócitos derivados de pacientes secretam uma quantidade maior de interleucina-8, um sinalizador de inflamação e suspeito de ser o principal agente da disfunção vascular associada à esquizofrenia”, explica o pesquisador.
Os autores ressaltam que os achados reforçam o papel do neurodesenvolvimento na esquizofrenia, que, ao que tudo indica, é mediado pelos astrócitos.
"Os sintomas da doença geralmente se manifestam quando se é um jovem adulto. Mas, como mostramos no trabalho, as células gliais nesses pacientes são diferentes desde o princípio, o que interfere no neurodesenvolvimento ainda no útero. A diferenciação e a formação do cérebro ocorrem de forma alterada. Portanto, pode ser que, durante a maturação do cérebro, aconteçam fatos como o que verificamos no estudo: uma vascularização sistematicamente alterada levando à malformação de circuitos cerebrais que pode desencadear a esquizofrenia na idade adulta”, diz Nascimento.
Outra contribuição do estudo foi alertar para a importância dos astrócitos nas doenças neurológicas.
“O papel das células da glia, como é o caso dos astrócitos, não só na esquizofrenia, mas nas doenças neurológicas em geral tem sido um achado recente, pois havia uma visão muito neurocêntrica de investigar mais o papel dos neurônios. Não deixa de ser uma forma de ampliar nossa visão e entendimento sobre a doença”, avalia Martins-de-Souza. (Maria Fernanda Ziegler/Agência FAPESP)