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Estudo revela novo mecanismo de ação dos corticoides no combate à inflamação causada pela COVID-19
Desde o início da pandemia de COVID-19, os corticoides, também conhecidos como glicocorticoides (GCs), têm se estabelecido como uma das principais opções de tratamento – especialmente em casos graves – por sua ação anti-inflamatória e imunossupressora.
Agora, pesquisadores brasileiros acabam de descobrir novos mecanismos de ação desses fármacos no controle da resposta inflamatória do organismo durante a infecção: eles aumentam os níveis de endocanabinoides (eCB), moléculas produzidas pelo próprio organismo que se ligam ao mesmo receptor do canabidiol, e diminuem a concentração no plasma de um mediador lipídico conhecido como PAF (sigla em inglês para fator de ativação de plaquetas), que regula a coagulação.
“Como os endocanabinoides têm funções neurológicas e anti-inflamatórias, nossa ideia era investigar se pacientes com sintomas leves de COVID-19 apresentavam maior proteção graças à produção natural dessas moléculas e se nos casos graves os níveis eram menores, causando inflamação exacerbada e, consequentemente, internações em UTI [Unidade de Terapia Intensiva]”, explica Carlos Arterio Sorgi, professor do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) e coordenador do trabalho.
Outro objetivo do estudo era saber se o PAF era mais presente nas manifestações mais sérias de COVID-19, estimulando a coagulação sanguínea e a formação de microtrombos.
Para essa análise, o grupo usou a infraestrutura do Centro de Excelência de Quantificação e Identificação de Lipídios (CEQIL) da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP).
Por meio de espectrometria de massa de alta resolução, no entanto, os pesquisadores observaram o oposto do esperado: os pacientes graves apresentavam níveis de endocanabinoides aumentados e de PAF reduzidos no plasma sanguíneo.
Para entender essas descobertas, foi necessário analisar detalhadamente cada dado de um grande grupo de pacientes com sintomas leves e graves, em tratamento domiciliar, na enfermaria ou em UTI, bem como todos os seus parâmetros clínicos e manejos farmacológicos.
Em seguida, foram aplicados a essas informações testes estatísticos multivariados.
“Entendemos, então, que não era a doença a responsável por aumentar os endocanabinoides e diminuir o PAF, mas, sim, o tratamento com os corticoides”, diz Sorgi.
“Embora o mecanismo clássico da farmacologia dessa classe de medicamentos já fosse amplamente conhecido, seus efeitos nessas biomoléculas nunca haviam sido demonstrados na literatura.”
A análise do transcriptoma de leucócitos sanguíneos (conjunto de RNAs expressos por essas células de defesa) dos pacientes tratados com corticoides também mostrou expressão gênica diferenciada de monoacilglicerol lipase e fosfolipase A2, revelando que os corticoides podem alterar a atividade de enzimas envolvidas no metabolismo dos mediadores lipídicos analisados.
Os achados abrem possibilidades futuras de tratamentos à base de corticoides não só para COVID-19 como para outras doenças inflamatórias e neurológicas graves.
Também indicam que os canabinoides – naturais ou artificiais – possivelmente podem funcionar como uma terapia coadjuvante.
“Unir os efeitos dos dois compostos criaria o melhor cenário possível”, acredita Sorgi.
As próximas rodadas de estudos devem envolver pacientes com outras doenças virais, como a gripe, para analisar se nesses casos a produção de tais biomoléculas lipídicas também é alterada pela ação dos corticoides.
Além disso, será investigado se o organismo mantém a mesma capacidade de produção de endocanabinoides após a vacinação contra a COVID-19 e na convalescença da doença. (Julia Moióli/Agência FAPESP)