Saúde |
Estudo revela novo fator associado ao risco de COVID-19 grave em pessoas com obesidade
Ainda no início da pandemia de COVID-19, um grupo de pesquisadores brasileiros mostrou de forma pioneira por que a infecção pelo SARS-CoV-2 tende a ser mais grave em pacientes diabéticos. Agora, a mesma equipe sediada no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) descobriu um dos motivos pelos quais pessoas com obesidade que não têm diabetes ou mesmo resistência à insulina também apresentam risco aumentado de desenvolver a forma grave da doença.
“Novos experimentos mostram que os mecanismos moleculares são bem diferentes nos dois casos”, revelaPedro Moraes-Vieira, professor do IB-Unicamp que coordena a investigação.
Em artigo publicado em maio de 2020, o grupo da Unicamp mostrou que, no caso de diabéticos infectados pelo SARS-CoV-2, o teor mais alto de glicose no sangue é captado por um tipo de célula de defesa conhecido como monócito e serve como uma fonte extra de energia que permite ao vírus se replicar mais do que em um organismo saudável.
Em resposta à crescente carga viral, os monócitos passam a liberar uma grande quantidade de citocinas [proteínas com ação inflamatória], que causam uma série de efeitos, como a morte de células pulmonares.
Os pesquisadores relataram ainda que, no pulmão de pacientes com COVID-19 grave, monócitos e macrófagos eram as células mais abundantes. E que a chamada via glicolítica, que metaboliza a glicose, estava bastante aumentada nesses leucócitos.
Já o trabalho mais recente mostra que no obeso não diabético o quadro de hiperinflamação está relacionado a níveis sanguíneos aumentados de ácidos graxos saturados – principalmente um tipo conhecido como palmitato.
Também conhecido como ácido palmítico, ele é o principal componente do óleo de palma. Está presente na carne bovina, no leite e seus derivados.
“Por meio de experimentos in vitro, observamos que o palmitato promove uma pré-ativação das células da imunidade inata [a primeira que entra em ação diante de uma infecção]. Elas ficam num estado de alerta, prontas para responder de forma mais intensa se detectarem uma ameaça. Quando infectamos essas células pré-ativadas com o SARS-CoV-2, elas produzem uma quantidade de citocinas inflamatórias muito aumentada”, relata Moraes-Vieira.
Em trabalhos anteriores, o grupo da Unicamp já havia observado que, no contexto da COVID-19, essa “tempestade de citocinas” produzidas por monócitos e macrófagos está na base de dois fenômenos bastante indesejados: a morte de células epiteliais pulmonares e a disfunção da resposta imune adaptativa – aquela que entra em ação cerca de duas semanas após a infecção e está relacionada à atuação de células (linfócitos T principalmente) capazes de reconhecer e matar patógenos de forma específica.
“Quando cultivamos as células T em um meio condicionado por monócitos infectados com o SARS-CoV-2, notamos uma menor capacidade proliferativa, secreção reduzida de citocinas inflamatórias e maior expressão de uma proteína chamada PD-1, cujo papel é sinalizar para os linfócitos T quando está na hora de parar de combater a infecção. A ideia é que essa sinalização ocorra após um tempo, para que não haja uma resposta imune exacerbada.
No contexto da COVID-19 grave, porém, a PD-1 faz com que os linfócitos T parem de funcionar antes mesmo de resolvida a doença. Isso acarreta um processo chamado de exaustão, comumente encontrado em células T presentes em tumores, por exemplo, e associado a um pior prognóstico”, explica o pesquisador.
“Esses achados nos ajudam a entender por que pessoas com obesidade não diabéticas também têm maior predisposição a desenvolver o quadro grave da COVID. Claro que esse não é o único fator. Mas estamos contribuindo com mais um tijolinho para a construção dessa história”, avalia Moraes-Vieira. (Karina Toledo, de Shenzhen/Agência FAPESP)