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Forma grave da COVID-19 pode ter dois perfis: inflamação pulmonar exacerbada ou alta replicação viral
Estudo revela que pacientes com a forma grave da COVID-19 podem ser divididos em dois grupos bem distintos: os que apresentam alta carga viral e pouca inflamação e aqueles que desenvolvem complicações inflamatórias mesmo após a completa eliminação do vírus do organismo.
Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisaram autópsias de 47 pulmões de pessoas vitimadas pela doença e examinaram dados referentes ao perfil inflamatório, à carga viral e ao grau de ativação do sistema imune.
Todas as amostras são de pacientes infectados na primeira fase da pandemia, quando ainda circulava a cepa ancestral do SARS-CoV-2, originária de Wuhan (China), e não havia vacina disponível.
“Hoje muita coisa mudou. Há novas variantes e a resposta imune dos vacinados é infinitamente superior à dos não imunizados. Portanto, estudar essas amostras [de pacientes vitimados pela cepa ancestral na fase pré-vacina] é muito importante para a compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos nos casos letais de COVID-19”, explica Dario Zamboni, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador da pesquisa.
Segundo Zamboni, que integra o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), o trabalho ajuda a compreender por que a forma grave da COVID-19 abrange variações clínicas tão grandes e quais fatores, em nível molecular, podem levar a doença a seguir um desses dois caminhos descritos no artigo.
Além disso, os resultados podem orientar a tomada de decisão no que concerne ao tratamento dos casos críticos.
Foi possível identificar por meio das análises que o perfil “baixa carga viral e inflamação exacerbada” está associado a uma ativação excessiva do inflamassoma, que é um complexo proteico existente no interior das células de defesa.
Quando essa maquinaria celular é acionada, moléculas pró-inflamatórias conhecidas como citocinas passam a ser produzidas para avisar o sistema imune sobre a necessidade de enviar mais células de defesa ao local da infecção.
Dessa forma, esse complexo proteico contribui para desencadear a chamada “tempestade de citocinas”, ou seja, uma resposta imunológica exacerbada e lesiva aos tecidos.
“O inflamassoma é uma das primeiras respostas que temos contra uma infecção. Em linhas gerais, quando os macrófagos [células da linha de frente do sistema imune] fagocitam o patógeno, eles ativam o inflamassoma na tentativa de eliminar o sítio da infecção. O problema é que vários vírus, incluindo o SARS-CoV-2, de maneira ainda não conhecida, conseguem ‘enganar’ o sistema imune e, assim, se replicam bem apesar da ativação do inflamassoma. Com isso, o inflamassoma permanece ativo, promovendo mais inflamação e agravando o quadro clínico”, explica Keyla Sá, bolsista de doutorado da FAPESP e primeira autora do artigo.
A partir dessa constatação, os pesquisadores realizaram experimentos com camundongos geneticamente modificados para expressar a proteína ACE2, que nos humanos é usada como um receptor ao qual o vírus se liga para entrar na célula.
Em parte dos animais também foi ‘desligado’ o gene principal do inflamassoma, ou seja, nesse grupo a maquinaria celular responsável por desencadear a produção de citocinas inflamatórias não era ativada diante da infecção pelo SARS-CoV-2.
“Observamos que, quando retiramos o inflamassoma dos camundongos infectados, eles ficaram menos doentes e sobreviveram muito mais à infecção. Portanto, essa capacidade de enganar o sistema imune pode contribuir para a grande variação que verificamos nos pacientes com COVID-19 grave. O achado pode, no futuro, tornar o inflamassoma e fatores a ele associados alvos importantes para novos tratamentos”, avalia Sá.
Já no caso de pacientes que morreram com alta carga viral e baixo perfil inflamatório, o quadro se apresenta de maneira completamente diferente. Os pesquisadores identificaram trombose pulmonar e coagulação intravascular disseminada, levando a crer que as disfunções vasculares que culminaram em um processo trombótico tiveram impacto significativo no desfecho da doença.
“Essa sistematização abre várias questões que devem ser investigadas no futuro. Identificamos dois tipos de pacientes que, apesar de terem a mesma doença, morreram por causas diferentes. Enquanto o grupo formado por casos de eliminação do vírus e inflamação exacerbada no pulmão [incluindo fibrose pulmonar] morreu de causa pulmonar, os pacientes com alta carga viral apresentavam boa função nesse órgão, estavam se recuperando e morreram por outros motivos, provavelmente disfunções vasculares”, relata Sá.
Quando se comparou o tempo de evolução da doença (entre a infecção e o óbito), também foi observada uma diferença significativa entre os dois grupos.
Enquanto os pacientes com alta carga viral morreram de forma mais rápida, aqueles com inflamação exacerbada passaram dias internados em terapia intensiva, com necessidade de ventilação mecânica.
“A descoberta desses dois caminhos contribui para a compreensão da fisiopatologia da doença e pode ajudar nas decisões entre terapias imunomediadas ou antivirais para o tratamento de casos críticos de COVID-19”, avalia Zamboni. (Maria Fernanda Ziegler/Agência FAPESP)