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História geológica de uma região explica como fósseis se preservam
Recentemente foi descoberto o fóssil de uma espécie inédita de dinossauro em Santa Maria, Rio Grande do Sul, uma região famosa por seus sítios arqueológicos abundantes.
O fóssil estava em condições tão boas que surpreendeu os pesquisadores, o que levanta a questão do que leva alguns lugares serem tão ricos em fósseis e outros, não. A resposta está na história do planeta Terra, a geologia.
O paleontólogo Luiz Anelli, do Instituto de Geociências da USP, explica quais são os requisitos para que fósseis se formem e se preservem ao longo do tempo.
Segundo ele, todo fóssil conhecido foi encontrado em uma região que era uma bacia sedimentar na época em que o animal morreu.
Em suma, são áreas de condicionamento geológico específico que estão sendo abatidas. “Em outras palavras, a crosta está afundando muito lentamente, mas são nessas áreas que os segmentos trazidos pelos rios, ventos ou por correntes marinhas estacionam e depositam a vida que está nessa área”, diz Anelli.
Como o próprio nome já explica, bacias sedimentares são como bacias geográficas que recebem sedimentos das áreas do entorno.
Ao longo do tempo, os sedimentos vão se sobrepondo e formando camadas, “uma pilha de segmentos acumulados nessas depressões e que guardam diferentes momentos no tempo geológico”.
A bacia sedimentar é repleta pelos restos da vida – ossos, pegadas ou excrementos dos animais – que são cobertos por sedimentos, e, com isso, protegidos das intempéries da superfície e têm algum futuro como fósseis.
O paleontólogo dá um exemplo do que seria uma bacia sedimentar nos dias de hoje: “A área do Pantanal. Porque aquela é uma área abatida, por isso é uma área encharcada. Os rios jogam sedimentos ali, cobre os esqueletos de tartarugas, jacarés, lobos-guará que serão guardados para o futuro”.
Mas o planeta muda. Uma região que hoje é bacia sedimentar vai se transformar e daqui milhões de anos talvez seja um deserto, uma cordilheira ou um oceano.
Os sedimentos com os ossos afundam para bem debaixo da terra, isolando-se das dinâmicas da superfície.
“Tudo que nós sabemos, por exemplo, sobre a história dos dinossauros de 170 milhões de anos ficou guardado em rochas sedimentares depositadas e formadas dentro de bacias sedimentares ao longo de toda a era Mesozoica em diferentes continentes”, afirma Anelli.
Um caso concreto dessas mudanças é a Argentina. A área hoje desértica perto dos Andes, segundo o especialista, era uma bacia sedimentar rica em plantas e animais há milhões de anos. “Era ótimo para o dinossauro viver, e hoje é ótimo para o paleontólogo coletar fósseis.”
Já o Brasil é o caso oposto: hoje tropical e biodiverso, grande parte da região era deserto na época dos dinossauros, impossibilitando muito acúmulo de restos orgânicos.
Outro fator é o solo: quanto mais solo, pior para se conservar um fóssil. “O solo é o fim da rocha. Quando uma rocha acaba, se deteriora, se estraga, ela dá origem ao solo”, explica Anelli.
Se os fósseis se encontram em um nível superficial e são expostos por um longo período ao solo, o material começa a sofrer degradação e alterações químicas. Ao longo de vários anos, já não estará mais preservado.
Por isso muitos sítios arqueológicos ricos, além de necessariamente se encontrarem em uma região que antes foi uma bacia sedimentar, são regiões desérticas ou semiáridas, como na Argentina.
Existem muitos sítios arqueológicos no Brasil; Luiz Anelli, inclusive, escreveu um livro sobre os dinossauros brasileiros. Grande parte Rio Grande do Sul, por exemplo, foi uma bacia sedimentar há milhões de anos, então com certeza existem muitos fósseis a quilômetros do chão.
Mas em Santa Maria, RS, eles estão mais próximos do nível superficial: escavando apenas um pouco é possível descobrir esses afloramentos. “A região de Santa Maria é muito privilegiada porque entre 250 a 220 milhões de anos era uma área geologicamente ativa que estava sendo deprimida, ou seja, estava com o sedimento se acumulando naquela região”, diz Anelli.
E ainda assim nem é a região arqueológica mais rica do Brasil. A Chapada do Araripe, no Ceará, cumpre requisitos ainda mais específicos “porque lá, além dos esqueletos, a sedimentação era tão fina e delicada, associada com a atuação de bactérias, que os tecidos moles ficaram fossilizados naquela região”, comenta o especialista.
Esses e outros sítios cumprem uma função essencial na formação da cultura, história e ciência nacional: “Nós aprendemos sobre a fragilidade da vida e as consequências de uma mudança climática”, afirma o paleontólogo. E complementa: “A maioria dos países que hoje privilegiam a educação fizeram da sua pré-história, assim como a música, a literatura e a arte, uma coluna cultural”.
A história contribui para a formação da sociedade e, segundo ele, também para a formação infantil: “É um conhecimento que põe livro na mão das crianças. Os sítios arqueológicos têm uma importância cultural muito grande, porque aproxima as crianças da ciência”. (Lucas Torres Dias/Jornal da USP)