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Metodologia permite avaliar estabilidade do solo em área degradada por mineração
A combinação de materiais ricos em cálcio, magnésio e querogênio (composto químico precursor do petróleo) permite produzir um tipo de solo modificado (Tecnossolo) capaz de recuperar áreas degradadas por mineração com alta estabilidade, ou seja, capturando mais carbono e com menos possibilidade de emissão de CO2 para a atmosfera ao longo dos anos.
A avaliação dessa estabilidade só foi possível graças à criação de uma metodologia integrada, que aliou análises térmicas, extrações químicas e incubações.
Entre as novidades do trabalho destaca-se o uso da técnica Rock-Eval, pouco adotada em análises de solo. É amplamente empregada na indústria de petróleo e gás para avaliar a quantidade e a qualidade de matéria orgânica presente em rochas sedimentares. Envolve um processo químico chamado pirólise, que conserva a composição original da matéria orgânica.
Para isso, a substância é aquecida a altas temperaturas, geralmente acima de 500° C, em um ambiente sem oxigênio, levando à quebra das ligações químicas e à formação de gases que são caracterizados quimicamente.
Diferencia-se de outros métodos por fornecer duas informações importantes: a caracterização química e a estabilidade térmica da matéria orgânica. Com isso, os pesquisadores conseguem saber a proporção de elementos que a matéria orgânica contém – principalmente carbono, hidrogênio e oxigênio – e quão resistente é ao calor.
Quando a matéria orgânica é estável, o carbono se mantém no solo, contribuindo para o sequestro de CO2. Além disso, a matéria orgânica ajuda na fertilidade do solo, fornecendo lentamente nutrientes essenciais à vegetação e melhorando a estrutura física, tornando-o mais resistente à compactação e à erosão.
Por isso, entender esse processo de estabilidade é crucial para o desenvolvimento de uma gestão sustentável da terra, seja para agricultura, mineração ou restauração florestal.
“A motivação do estudo vem dos Tecnossolos com grande concentração de carbono. Queríamos saber se a estabilização da matéria orgânica acontecia somente por causa do carbono geológico ou se tinha algum outro processo envolvido. Ao usarmos Rock-Eval, conseguimos separar o material. Tínhamos duas fontes diferentes de matéria orgânica: a que vinha do crescimento das plantas e da pastagem e a geológica, na forma de querogênio”, explica o engenheiro agrônomo Francisco Ruiz, pesquisador do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), e primeiro autor do estudo.
No trabalho, os cientistas analisaram uma área com Tecnossolo rico em cálcio, magnésio e querogênio (fração insolúvel da matéria orgânica presente nas rochas sedimentares), que está sob cultivo de pastagem, e compararam com locais de folhelhos ricos em carbono e de solo natural sob cultivo de pastagem de longo prazo.
“Vimos que houve uma sinergia entre o querogênio e o material de planta no Tecnossolo que deu estabilidade maior do que os dois separados”, completa Ruiz.
A área do estudo está localizada dentro de uma mina de calcário na cidade de Saltinho, interior do Estado de São Paulo. Há cerca de 20 anos, parte do local começou a ser recuperado, com o preenchimento de poços realizado com despojos da mina, que incluem fragmentos de rochas sedimentares. O clima da região é subtropical úmido, e a vegetação nativa é a Mata Atlântica.
“Usamos o Tecnossolo, mas o método pode funcionar para entender a estabilidade da matéria orgânica em outros tipos de solo com essa composição mista, como o biochar para áreas agrícolas e a terra preta da Amazônia”, diz Ruiz.
O biochar é um tipo de biocarvão voltado para uso agrícola, produzido a partir da pirólise, com origem no processo de carbonização controlada de biomassa vegetal (que pode ser desde palha até madeira) sem a presença de oxigênio. O nome vem da união das palavras em inglês biomass (biomassa ou matéria orgânica) e charcoal (carvão). Estudos têm mostrado que o produto aumenta a produtividade agrícola, o crescimento das raízes e dos brotos.
Usando a nova metodologia, os pesquisadores apontaram que a forma como os minerais se ligam à matéria orgânica pode influenciar sua estabilidade.
Descobriram, por exemplo, que, durante a oxidação, a estabilidade dos materiais orgânicos está relacionada à quantidade e ao tipo de interações entre minerais e compostos, especialmente cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg2+).
“Esse trabalho tem uma inovação metodológica, mas também traz uma importante contribuição no sentido de comprovar, de forma mais contundente, alguns processos que o próprio Francisco já havia demonstrado em estudos anteriores. A partir do momento em que a ciência conhece o processo, é possível criar condições para que ele aconteça, abrindo uma avenida de possibilidades para pensar daqui para a frente”, avalia o professor da Esalq Tiago Osório Ferreira, autor correspondente do artigo.
Pesquisa publicada no ano passado e também assinada por Ruiz, Rumpel e Ferreira demonstrava que Tecnossolo construído a partir de resíduos de minas era capaz de sequestrar carbono, com potencial de capturar até 1 gigatonelada de CO2 equivalente.
O solo é um dos quatro grandes reservatórios de carbono do planeta, juntamente com a atmosfera, os oceanos e a vegetação. No entanto, em estado de degradação, pode liberar CO2, como acontece com as florestas.
Divulgado no ano passado, levantamento do MapBiomas concluiu que o Brasil estoca no solo o equivalente a 70 anos de emissões de CO2 do país. Do total de 37 gigatoneladas de carbono orgânico do solo (COS) existentes no Brasil em 2021, quase dois terços (63%) estavam em área sob cobertura nativa estável (23,4 Gt COS), principalmente na Amazônia. (Luciana Constantino/Agência FAPESP)