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Perda de grandes herbívoros afeta interações entre plantas e seus inimigos naturais
Insetos e microrganismos que se alimentam de plantas, consumindo parte das folhas, modificando o tecido foliar ou mesmo gerando manchas escurecidas, são comumente chamados de pragas e considerados prejudiciais. Porém, interações entre plantas e seus inimigos naturais são importantes mecanismos geradores e mantenedores de biodiversidade.
Em florestas tropicais, por exemplo, essas “pragas” fazem parte de grandes redes ecológicas, das quais depende o funcionamento dos ecossistemas. Sua diminuição, portanto, pode ser um indicador de mudanças no funcionamento da floresta, cujas consequências ainda são pouco conhecidas.
Estudo mostra que a perda de grandes mamíferos herbívoros, como antas, veados e queixadas, pode ser um fator para a perda de interações entre plantas e seus inimigos naturais.
“Na ausência de grandes mamíferos que se alimentam de plantas, removem e pisoteiam o solo, ocorre um aumento de riqueza de espécies vegetais em curto prazo. Como os patógenos têm relações muito específicas com suas plantas hospedeiras, áreas com maior riqueza de espécies diluem as chances de se espalharem e seguirem seu ciclo de vida. A diminuição das interações entre planta e patógeno pode ter consequências evolutivas para ambos”, conta Carine Emer, primeira autora do estudo.
Outra possível razão para a diminuição dos patógenos na ausência dos grandes herbívoros é o fato desses animais percorrerem grandes distâncias na floresta. Com isso, podem levar microrganismos de uma planta para outra, o que não acontece quando são extintos localmente.
Os resultados são fruto de dois projetos apoiados pela FAPESP. O mais recente, “DEFAU-BIOTA: efeitos da defaunação no carbono do solo e na diversidade funcional de plantas da Mata Atlântica”, é financiado no âmbito do Programa BIOTA e coordenado por Mauro Galetti, professor do IB-Unesp que também assina o artigo.
O outro foi o projeto “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”, também coordenado por Galetti, que desde 2009 monitora um conjunto de parcelas pareadas de Mata Atlântica, áreas de 15 metros quadrados, em quatro locais no Estado de São Paulo. Uma das parcelas é cercada para evitar a entrada dos grandes mamíferos herbívoros, enquanto a outra permanece livre para a passagem desses animais.
Dessa forma, é possível observar os efeitos da exclusão de queixadas, antas, veados, bem como de pacas e cutias, nas plantas, no solo e nas interações ecológicas, como na herbivoria foliar causada por insetos. Em trabalhos anteriores, o grupo já havia mostrado a importância dos grandes mamíferos na fertilidade do solo da floresta, na estrutura espacial das comunidades de plantas e na dispersão de sementes.
No trabalho atual, os pesquisadores analisaram danos foliares em 10.050 folhas de 3.350 plantas em 86 parcelas, distribuídas em áreas de Itamambuca, Ilha do Cardoso, Parque Estadual Carlos Botelho e Vargem Grande Paulista.
Os danos foliares foram classificados em cinco grupos funcionais, incluindo danos causados por insetos (como larvas de besouro e borboletas) e por patógenos (como bactérias, fungos e vírus). As folhas foram analisadas em plantas com até um metro de altura, o chamado sub-bosque, abaixo da copa das árvores e na altura em que os grandes herbívoros conseguem remover as folhas. Os danos foliares eram classificados numa escala de 0 (intacta) a 6 (entre 75 e 99% danificada).
Nas áreas livres de grandes mamíferos herbívoros, os danos totais às folhas foram 9% menores. Os danos causados apenas por patógenos foliares, por sua vez, foram reduzidos em 29% nas parcelas cercadas. Os danos causados por insetos não tiveram diferenças significativas entre as parcelas abertas e fechadas.
“As plantas interagem com seus inimigos naturais há milhares de anos, em uma corrida armamentista de defesa e ataque. Para isso, desenvolvem defesas, tanto físicas quanto químicas. Por sua vez, os inimigos naturais, como os patógenos, criam novas formas de ataque, no que as plantas criam novas defesas. Esse é um fator importante para a manutenção e geração de biodiversidade, uma vez que nesse processo podem surgir espécies novas tanto de plantas como de organismos que interagem com elas”, explica Emer.
Em longo prazo, portanto, a diminuição das interações entre plantas e patógenos foliares pode deixar de ser uma força de seleção para geração de biodiversidade.
Recentemente, por exemplo, pesquisadores alemães analisaram fósseis de folhas e mostraram como grandes mudanças na estrutura da vegetação ocorridas nos últimos 66 milhões de anos resultaram na perda de interações e na diversidade funcional de certos grupos de insetos herbívoros.
Algo parecido poderia se dar com a perda dos patógenos em áreas com mudanças na estrutura da vegetação devido à perda de grandes mamíferos, por exemplo.
“Nosso estudo traz resultados inovadores e, por isso mesmo, merece ser aprofundado em outras áreas da Mata Atlântica e em outras florestas tropicais. De toda forma, evidencia mais um problema que a extinção de grandes mamíferos pode causar”, encerra Emer. (André Julião/Agência FAPESP)