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Pesquisa com animais identifica atividade do cérebro associada à resistência ao estresse
Por que algumas pessoas são mais resilientes e outras mais vulneráveis a adversidades? Muitos fatores – biológicos, psicológicos e sociais – influenciam em como reagimos a dificuldades. Dentre estes, o controle ou a falta de controle que se percebe diante de situações de estresse é um dos mais importantes já descobertos até hoje.
Um estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP investigou as atividades neurais envolvidas no processamento de controle sobre o estresse.
O trabalho foi conduzido pelo pesquisador Danilo Benette Marques sob orientação dos professores João Pereira Leite e Rafael Naime Ruggiero, em colaboração com Matheus Teixeira Rossignoli e Lézio Soares Bueno-Júnior.
Os pesquisadores realizaram um experimento em ratos em que um grupo de animais recebia choques moderados nas patas, dos quais podiam escapar se pulassem por cima de um pequeno muro.
De maneira equivalente, outro grupo de animais recebia as mesmas quantidades, intensidades e durações de choques, porém de forma inescapável. E, por fim, outro grupo de sujeitos não recebia choques.
Enquanto isso, os cientistas registraram a atividade elétrica do hipocampo e do córtex pré-frontal, duas regiões do cérebro que já haviam sido amplamente associadas aos efeitos do estresse e da depressão por estudos anteriores.
Os animais que passam por uma primeira exposição a choques controláveis se tornam resistentes a estressores futuros, mesmo que estes novos estressores sejam incontroláveis e escapam normalmente em testes realizados dias depois.
Originalmente, este fenômeno foi chamado de “imunização comportamental”, pois se assemelha à resistência imunológica que o corpo adquire por enfrentar e vencer um agente infeccioso ou ao tomar uma vacina. Hoje em dia, este comportamento é mais conhecido como resistência aprendida.
Estudos anteriores relatam uma constelação de efeitos que ocorrem apenas, ou de forma mais acentuada, em indivíduos expostos a estressores incontroláveis, mas que não ocorrem se estes são controláveis.
Por exemplo, apenas o estresse incontrolável foi associado ao aumento de ansiedade, apatia social, medo exagerado, úlceras estomacais, sensibilidade a drogas de abuso, déficits cognitivos, déficits de neuroplasticidade e até mesmo crescimento de tumores.
Os pesquisadores investigaram atividades eletrofisiológicas que pudessem distinguir animais sob estresse e predizer os animais resistentes ou desamparados.
Estudos prévios mostraram que a inibição farmacológica do córtex pré-frontal abolia muitos dos efeitos protetores do controle sobre o estresse.
Então, foi hipotetizado que esta área estaria mais ativa em uma situação controlável. No entanto, não foi isso que o grupo encontrou. O estudo mostrou que, na verdade, as principais atividades que distinguiam os animais resistentes e desamparados estavam nas ondas cerebrais.
Usando técnicas de análise de sinal e aprendizado de máquina, os pesquisadores identificaram um padrão de atividade capaz de predizer com grande precisão os animais que se tornaram resistentes aos futuros estressores, o qual consistia no aumento e sincronia de ondas cerebrais nas frequências entre 5 a 10 Hz, as quais são conhecidas como oscilações teta (θ).
Uma surpresa do estudo foi que o padrão neurofisiológico mais distinto predizia os animais resistentes (resilientes), e não os desamparados (vulneráveis), os quais eram preditos pela presença dos efeitos do estresse por si mesmo, mas ausência da “assinatura neural do controle sobre o estresse”.
Este achado mostra que há uma neurofisiologia complexa por trás de processos associados à resiliência e que a vulnerabilidade ao estresse pode, na verdade, se dar pela falta destes processos.
“Há pouco tempo atrás, se acreditava que indivíduos resilientes escapavam dos efeitos deletérios do estresse que ocorriam nos indivíduos mais vulneráveis. Buscando tais alterações, foram se acumulando evidências de que, na verdade, são os resilientes que apresentam atividades biológicas particulares, que estão ausentes nos mais suscetíveis. Nesse sentido, cada vez mais se reconhece que a resiliência é constituída por processos neurobiológicos ativos, únicos e complexos”, afirma Danilo.
Os achados mostrando padrões de atividade elétrica, que representam a interação dinâmica entre regiões cerebrais, relacionados ao controle sobre o estresse sugerem uma neurobiologia complexa por trás da resiliência e vulnerabilidade a adversidades.
Estes resultados apoiam a hipótese da rede neural, a qual propõe que depressão e resiliência estão relacionadas ao processamento de informações em redes neurais de uma forma mais ampla e complexa e não meramente a desequilíbrios neuroquímicos como antigamente se acreditava.
O estudo também aponta um papel específico das oscilações teta na resistência ao estresse. Estas oscilações representam um dos ritmos biológicos mais estudados em mamíferos e já haviam sido amplamente relacionadas a processos cognitivos, aprendizado e memória e emoções.
O presente trabalho ajuda a esclarecer o significado desta atividade neural e mostra que ela está relacionada ao aprendizado de resistência ao estresse e aos aspectos adaptativos de enfrentamento a adversidades.
Os pesquisadores sugerem que a sincronia de várias regiões cerebrais nas frequências teta está envolvida no enfrentamento ao estresse, não só quando este tem um valor aversivo (ex.: “escapar de um choque”), mas também com valor positivo (ex.: “conseguir uma recompensa”).
Assim, as relações positivas entre esta atividade cerebral e processos comportamentais associados à resiliência indicam um potencial uso terapêutico.
Experiências traumáticas são fatores de risco para a origem de transtornos mentais bastante comuns na atualidade, como depressão maior, ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós-traumático. As prevalências de ansiedade e depressão têm aumentado.
Embora parte dos pacientes responda a tratamentos de primeira linha, uma parcela significativa não responde ou responde apenas depois de várias tentativas de diferentes tratamentos.
Neste sentido, a identificação de marcadores biológicos de resposta a tratamento (“biomarcadores”) pode contribuir em decisões terapêuticas mais eficazes para transtornos psiquiátricos.
“A descoberta de uma atividade elétrica do cérebro associada à resistência ao estresse pode servir como um biomarcador, que poderia ser verificado por eletroencefalografia (EEG), e que ajudaria a decidir melhores tratamentos personalizados para depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático”, afirma Rafael Ruggiero.
De fato, uma recente análise de vários estudos conhecida como meta-análise avaliou dezenas de trabalhos relatando potenciais marcadores no EEG de resposta a tratamentos para a depressão e apontaram a atividade em teta no córtex frontal como a mais consistente, sendo relatada por diferentes grupos de pesquisa e para diferentes tratamentos, como medicações, estimulação magnética transcraniana, estimulação cerebral profunda e, até mesmo, placebo.
“O achado de um ritmo neural associado à resistência ao estresse também pode ajudar a otimizar tratamentos psiquiátricos baseados em estimulação cerebral, de modo a aproximá-los de processos neurofisiológicos ‘naturais’ envolvidos na resiliência”, afirma João Leite.
Em concordância com os achados experimentais do grupo, a estimulação do córtex pré-frontal no ritmo teta, conhecida como theta-burst stimulation, é utilizada no tratamento para depressão.
Recentemente, este protocolo foi desenvolvido para uma versão guiada a partir de dados personalizados de conectividade funcional do córtex frontal, que mostrou taxas de remissão de depressão resistente entre 80-90% dos pacientes. (Jornal da USP)