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    Pesquisadores brasileiros trabalham para transformar o agave na ‘cana do sertão’

    As mudanças climáticas têm causado um aumento da região com clima semiárido no Brasil. Dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam uma expansão de 7,5 mil quilômetros quadrados ao ano desde 1990 – algo equivalente a cinco vezes a área da cidade de São Paulo. Esse cenário pode comprometer o cultivo de algumas plantas, como, por exemplo, a cana-de-açúcar, utilizada na geração de bioenergia.



    No Brasil a principal espécie cultivada é a Agave sisalana, cujas folhas são usadas na fabricação da fibra do sisal. Foto: Nicholas Vinícius Silva


    Um grupo de pesquisadores brasileiros começou a buscar plantas com potencial para serem usadas na geração de bioenergia e que podem ser cultivadas onde o clima não é favorável à cana-de-açúcar.

    E assim decidiram se dedicar ao estudo do Agave, um gênero de plantas suculentas que abrange mais de 200 espécies e é muito usado, no México, para a fabricação da tequila.

    O trabalho vem sendo conduzido com apoio da FAPESP no âmbito do projeto Brazilian Agave Development (Brave, Desenvolvimento do Agave Brasileiro), uma parceria que envolve a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a empresa Shell e outras instituições de ensino e pesquisa, como Senai Cimatec, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp).

    “No Brasil a principal espécie cultivada é a Agave sisalana, cujas folhas são usadas na fabricação da fibra do sisal. Porém, esse processo aproveita apenas 4% da planta, gerando um grande volume de resíduos que hoje é colocado no campo para degradar”, contou o pesquisador.

    “Contudo, é possível gerar bioenergia tanto a partir do suco extraído das folhas, que é rico em inulina, um tipo de açúcar, quanto a partir do bagaço, rico em celulose. Além das folhas, a pinha do agave também acumula muita inulina que pode ser utilizada. As plantas demandam menos água e fertilizantes [em comparação com a cana], crescem em cinco anos e geram 800 toneladas de biomassa por hectare.”

    O grupo tem coletado diferentes espécies de agave em todo o Brasil e em países como México e Austrália para compor um banco de germoplasma.

    E investiga o fenótipo das plantas, avaliando a composição de açúcares, a taxa de fotossíntese e de crescimento, o quanto necessita de irrigação e sua relação com o solo, entre outros fatores. Com base nessas informações, desenvolve estratégias que ajudem a superar os desafios envolvidos na transformação do agave na “cana do sertão”.

    Uma das principais dificuldades é que a levedura normalmente usada na produção de etanol, a Saccharomyces cerevisiae, não é capaz de metabolizar a inulina, que é um polímero de frutose e precisa ser hidrolisado para liberação de açúcares fermentescíveis. O grupo desenvolveu uma cepa geneticamente modificada para esse fim.

    Também foram desenvolvidas e patenteadas leveduras modificadas para metabolizar a xilose, um dos açúcares presentes no bagaço.

    Outro desafio tem sido a busca de bioestimulantes e fertilizantes capazes de acelerar a taxa de crescimento do agave, considerada lenta.

    “Estamos patenteando um composto que aumenta em duas vezes [a taxa de crescimento] e identificamos outros quatro, que se mostraram promissores, avaliando as bases moleculares e seus mecanismos de ação”, contou.

    Outro avanço foi o desenvolvimento de uma planta geneticamente modificada para se tornar tolerante ao glifosato, um dos herbicidas mais usados no mundo.

    “Patenteamos o protocolo para transformação genética do agave, pois mesmo no semiárido a competição com ervas daninhas é grande.”

    O objetivo final do projeto é tornar possível produzir não apenas etanol a partir do agave, como também biometano, bio-hidrogênio e biochar. (Karina Toledo, de Bologna/Agência FAPESP)

    29 DE OUTUBRO DE 2024



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