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    Pesquisadores identificam mutação em gene capaz de regular a dor

    Em todo o mundo, 1,5 bilhão de pessoas sofrem de dor. Mesmo com diversas opções de medicamentos disponíveis, nem todas as suas formas são tratáveis e, quando são, pode haver efeitos adversos, como o desenvolvimento de dependência ou tolerância – especialmente no caso da morfina e outros opioides. Em busca de novas opções de analgésicos, pesquisadores do Laboratório Especial de Dor e Sinalização (LEDS) do Instituto Butantan estudaram um receptor celular denominado TRPV1, responsável por captar estímulos nocivos de calor e a sensação de ardência da pimenta. Eles descobriram uma mutação no gene codificador dessa proteína que pode causar perda de sensibilidade à dor.



    Em estudo com roedores, cientistas do Instituto Butantan e colaboradores descobriram que uma variação no receptor TRPV1 – o mesmo que capta a sensação de ardência da pimenta – presente nas aves pode bloquear a sensação dolorosa, até mesmo em condições crônicas. Imagem: The Journal of Clinical Investigation


    Em parceria com as universidades Stanford e Emory, ambas nos Estados Unidos, e o Hospital Universitário de Münster, na Alemanha, o grupo brasileiro analisou uma série de mutações em humanos. Os autores também se beneficiaram de um conhecimento já existente sobre as aves – animais pouco sensíveis a estímulos nocivos e indiferentes a alimentos picantes justamente por conta de uma mutação no gene TRPV1.

    “Existem mais de mil mutações para o receptor TRPV1 em humanos e não é novidade tentar desligá-lo para aliviar a dor, mas até hoje essas tentativas não foram bem-sucedidas”, diz à Agência FAPESP Vanessa O. Zambelli, pesquisadora do LEDS e primeira autora do estudo ao lado de Shufang He, de Stanford.

    “Primeiro porque muitos medicamentos resultantes desse processo interferem com a temperatura corporal e segundo porque, como se trata de um canal importante para a sensação de estímulo térmico nocivo, alterar completamente sua atividade anula a dor fisiológica, interferindo com a sensação de calor, que tem função protetora.”

    O primeiro passo para os pesquisadores foi investigar um banco de dados de genoma para entender como era a sequência genética do receptor TRPV1 das aves e compará-la com a análise genômica dos humanos.

    Por estudos computacionais, foram identificadas nas aves cinco mutações que seriam relacionadas à resistência à dor. Análises de criomicroscopia eletrônica (nas quais amostras preservadas em baixas temperaturas são observadas em microscópio) mostraram que elas estão localizadas em um resíduo de aminoácido (K710, um dos componentes que formam a proteína TRPV1) que controla a abertura e o fechamento do canal.

    Embora elas também possam existir naturalmente em humanos, são muito raras. Os cientistas, então, se perguntaram: o que aconteceria se essas mutações fossem transpostas para mamíferos?

    Em estudos de células, descobriu-se que, nesse caso, ocorria, sim, uma alteração na função do canal. Testes em camundongos com a mutação induzida por meio da técnica de edição gênica CRISPR/Cas9 confirmaram a ausência de comportamento nociceptivo (o termo “dor” não é usado para animais pela dificuldade de mensurar o componente subjetivo e emocional) após injeção de capsaicina (composto ativo da pimenta) na pata e ingestão de ração (picante) para aves, diferentemente do que ocorreu com camundongos selvagens.

    Na sequência, o corpo celular do neurônio sensorial dos camundongos foi retirado e, em cultura de células, estimulado com capsaicina. Novamente, os neurônios reduziram sua capacidade de transmitir nocicepção, o que também se repetiu em um modelo mais robusto de dor crônica, por meio de lesão no nervo isquiático.

    Tudo isso sem perder a capacidade de sentir a temperatura nociva.

    Além de modular a dor, o TRPV1 também tem papel importante de proteção frente a outros estímulos. Estudos anteriores mostram, por exemplo, que sua ativação controla a citotoxicidade induzida por excesso de glicose.

    Testes adicionais feitos neste trabalho, com retirada e estímulo de células cardíacas (cardiomiócitos) por agentes lesivos, como peróxido de hidrogênio e glicose elevada, em modelo de isquemia cerebral, confirmaram que o efeito de proteção se manteve mesmo com a mutação.

    A segunda parte do estudo envolveu a tentativa de reduzir a função do receptor farmacologicamente. Para isso, os pesquisadores desenvolveram um peptídeo batizado de V1-cal, que atua seletivamente na região do resíduo K710.

    Tratados com esse composto, animais que receberam capsaicina demonstraram menos comportamento nociceptivo. Observou-se ainda diminuição na liberação dos neuropeptídeos que causam inflamação e edema, sem alteração na temperatura. Por fim, também a dor crônica melhorou consideravelmente. (Julia Moióli/Agência FAPESP)

    15 DE MARÇO DE 2023



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