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Reavaliação de dentes de dinossauros ajuda a descrever passado de parte da América do Sul
Uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP revelou que os dinossauros terópodes (bípedes, geralmente carnívoros ou omnívoros) eram predominantes na área central do continente sul-americano.
Por meio de reavaliação de 179 dentes isolados recolhidos na Bacia de Bauru (uma unidade geológica do período Cretáceo, compreendido entre 60 e 70 milhões de anos atrás, que abrange os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná, além de uma parte do Paraguai), foi possível constatar que por ali viviam os dinossauros abelissauros, carnívoros que chegavam a até 7,9 metros (m) de altura.
Os resultados alcançados fornecem uma descrição inédita sobre o ecossistema da parte central da América do Sul – pouco explorada na paleontologia se comparada com áreas como a Argentina e a Patagônia.
A partir disso, foram levantadas duas hipóteses sobre a abundância desses registros arqueológicos. “A primeira é que de fato esses bichos tinham uma tendência a perder mais dentes, já que, por serem carnívoros, eles acabavam comendo alimentos mais duros e resistentes” explica Rafael Delcourt, pesquisador de pós-doutorado no Laboratório de Paleontologia da FFCLRP.
A segunda envolve o clima semiárido, característico da região durante o período Cretáceo, e a prevalência desses dinossauros em ambientes com essas determinadas condições climáticas.
“O Cretáceo foi muito árido, com temperaturas já muito elevadas, e os abelissauros aparentemente preferiam localidades mais quentes. Então, eles ficavam por lá até o último minuto – enquanto os outros dinossauros migravam para outros lugares em busca de alimento”, diz Delcourt.
De acordo com o pesquisador, com essas informações é possível traçar uma comparação entre a fauna desses locais.
“Se por um lado aqui na parte central da América do Sul temos majoritariamente os abelissauros e, em menor escala, os dromeossauros e megaraptores, na parte sul será o oposto: muitos dromeossauros e megaraptores, e uma frequência menor de abelissauros.”
Os dromeossauros também são terópodes bípedes carnívoros que viveram no período Cretáceo, assim como os megaraptores.
A ideia de revisitar tais materiais surgiu a partir da publicação de um artigo que indicava a presença de dinossauros carcarodontossauros na Bacia de Bauru, que não deviam estar localizados ali.
“Em um artigo publicado em 2013, pesquisadores analisaram um dente obtido na unidade e o atribuíram a um carcarodontossauro. Acontece que essa unidade geológica é muito recente, datada em torno de 70 a 66 milhões de anos atrás, e esse grupo de dinossauros foi extinto há 80 milhões de anos. Ou seja, esse era um material que não deveria estar presente na bacia”, diz o paleontólogo.
No estudo atual, esse dente foi reexaminado e descrito como pertencente a um abelissauro.
Os pesquisadores utilizaram três diferentes metodologias de análise: discriminante, filogenética e comparação morfológica. A discriminante consiste na medida das dimensões dos dentes para checar se existe alguma correspondência com grupos de dinossauros conhecidos.
Já a sistemática filogenética mostra as relações de parentesco que os dentes com aquelas características podem possuir com outros dinossauros. Por fim, a comparação morfológica é usada para contrapor os resultados obtidos das outras análises a fim de verificar sua correção.
Segundo Delcourt, os produtos obtidos pelas três abordagens apresentaram algumas divergências entre si, o que mostra a importância de recorrer a diferentes métodos de pesquisa.
“No caso da discriminante, como estamos trabalhando com dentes isolados, o processo de medição não leva em consideração características que são mensuráveis. Por conta disso, existe um ruído no resultado final.” Em relação à filogenética, o pesquisador explica que algumas análises levaram a dinossauros therizinossauros, que são praticamente restritos ao Hemisfério Norte.
“O ruído na análise acontecia porque o dente era muito fragmentado. Então, entra a terceira abordagem, que é a comparação morfológica, na qual foi possível olhar melhor para certos dados.” Ao fim, todos os 179 dentes foram classificados como pertencentes a abelissauros. (Camilla Almeida/Jornal da USP)