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Répteis de solos arenosos são mais ameaçados pela mudança climática do que se pensava
Répteis que vivem em solos arenosos de áreas secas já foram apontados como beneficiários do aumento das temperaturas nas próximas décadas, por conta da suposta ampliação de áreas adequadas para a vida e por já tolerarem altas temperaturas.
Estudo publicado por pesquisadores brasileiros mostra, porém, que o cenário pode ser bem diferente.
“Observamos que as mudanças climáticas vão alterar a distribuição geográfica dos répteis e provocar a extinção de algumas espécies, o oposto do que se pensava”, resume Júlia Oliveira, primeira autora do trabalho, realizado como parte de seu mestrado na Universidade Estadual do Maranhão (Uema).
O estudo integra o projeto “Evolução e biogeografia da herpetofauna: padrões, processos e implicações para a conservação em cenário de mudanças ambientais e climáticas”, coordenado por Thaís Guedes, professora do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e orientadora de Oliveira.
“As espécies estudadas têm a peculiaridade de serem adaptadas a áreas de solo arenoso, o que lhes conferiu características como patas reduzidas ou ausentes, olhos reduzidos e escamas na ponta da cabeça levantadas, adaptações do corpo para viver nesse tipo de ambiente. Por isso, a área adequada para a vida dessas espécies, no presente e no futuro, depende também de condições específicas do solo”, explana Guedes.
O estudo considerou registros de ocorrência de dez espécies adaptadas a solos arenosos (psamófilas) presentes na chamada Diagonal de Formações Abertas ou Diagonal Seca. Esses são dois dos termos usados para definir o corredor de florestas secas que cruza a América do Sul, do Chaco argentino e paraguaio, passando pelo Cerrado até a Caatinga.
Foram analisadas cinco espécies de lagartos e cinco de serpentes. A partir das informações de ocorrência das espécies, foram adicionados dados sobre clima atual, tipo de solo e outras variáveis que permitem a sobrevivência desses animais.
Posteriormente, foram feitas simulações de como estariam esses locais em cenários otimistas e pessimistas de concentração de gases do efeito estufa para 2040 e 2060. Esses cenários são projetados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os modelos apontaram também regiões adequadas para as espécies em que ainda não se realizaram estudos de campo para verificar a presença desses animais.
Segundo os pesquisadores, essas são áreas prioritárias para futuras prospecções, como as dunas do São Francisco, na Bahia, e manchas de solo arenoso na Caatinga do Piauí, que se mostraram altamente aptas a abrigar inclusive espécies endêmicas, que só existem lá.
Mesmo no quadro otimista para 2040, com níveis moderados de emissões, todas as dez espécies analisadas perdem áreas adequadas, superando os ganhos de terreno e clima. O calanguinho-de-rabo-azul (Micrablepharus maximiliani) e o lagarto-do-rabo-vermelho (Vanzosaura savanicola) teriam a maior perda de área (88% e 99%, respectivamente), o que significa a extinção para o último.
As perspectivas não melhoram muito para o ano de 2060, ainda num cenário otimista de mudanças climáticas. Nele, todas as espécies analisadas perdem área de vida, de 2,5% até 100%.
Seriam extintos o lagarto-do-rabo-vermelho e as serpentes conhecidas por nomes como falsa-coral (Rodriguesophis iglesiasi) e cobra-corredeira (Phalotris matogrossensis). Outros dois lagartos e uma serpente tiveram perdas de áreas previstas entre 60% e 82%.
O cenário climático pessimista para 2040 também prevê mais perdas do que ganhos de áreas adequadas para todas as espécies, com duas espécies previstas para sofrer perdas de área acima de 76%.
A perspectiva é parecida quando se consideram altas emissões em 2060, com perdas ainda mais significativas. Embora os ganhos previstos sejam maiores para algumas espécies do que em outros cenários, as perdas serão ainda superiores, inclusive com extinções como a do calanguinho-de-cauda-vermelha (Vanzosaura rubricauda).
Para os pesquisadores, os resultados são extremamente preocupantes, ainda mais porque esse tipo de ameaça tem sido negligenciado para os répteis que vivem enterrados em solo arenoso.
Os autores notam que a avaliação mais recente de ameaça de extinção de répteis do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que define o grau de ameaças de espécies em nível nacional, é de 2022, e ainda não considera as mudanças climáticas como um fator de ameaça.
Uma das medidas para evitar, ou pelo menos amenizar a catástrofe anunciada, seria criar novas unidades de conservação de proteção integral, ou ampliar as existentes de forma otimizada, em locais aptos para essas espécies no presente e no futuro. (André Julião/Agência FAPESP)