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Secretada por fungos, substância tem potencial para combater biofilme que causa cárie dental
O fungo Trichoderma harzianum, um microrganismo que não causa doença em humanos, é protagonista de um estudo conduzido na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) em conjunto com a Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP), ambas da Universidade de São Paulo (USP).
Realizada a partir do cultivo do fungo em laboratório, a pesquisa levou a uma substância que pode destruir o biofilme – popularmente conhecido como placa bacteriana – que causa a cárie dental, uma das doenças mais prevalentes no Brasil e no mundo.
Quanto mais velho o biofilme, maiores as chances de ser constituído por grandes quantidades de exopolissacarídeos, que vão agravar o desenvolvimento da doença.
As substâncias produzidas pelo fungo são enzimas capazes de atacar os exopolissacarídeos, desintegrando o biofilme dental.
Artigo que detalha os resultados da pesquisa é um dos resultados do mestrado de Jéssica Peixoto Bem no Programa de Pós-Graduação em Odontopediatria da FORP-USP, sob orientação de Carolina Patrícia Aires.
As pesquisadoras estudaram todas as condições laboratoriais necessárias para que o fungo produza as enzimas destruidoras dos exopolissacarídeos do biofilme, utilizando um microrganismo modelo, o Streptococcus mutans.
Muitos microrganismos, como bactérias e fungos, vivem um “estilo de vida” de biofilme.
Biofilme é uma comunidade estruturada de células microbianas firmemente ligadas a uma superfície biótica ou abiótica e incorporadas em uma matriz autoproduzida composta de substâncias poliméricas extracelulares (EPS, na sigla em inglês), como polissacarídeos, proteínas e lipídios, explica o artigo.
A cárie dentária é um exemplo de doença mediada por biofilmes. Particularmente, os exopolissacarídeos produzidos por Streptococcus mutans são um fator crucial para a cariogenicidade dos biofilmes dentários. Assim, a degradação de exopolissacarídeos é uma estratégia-chave para desmantelar biofilmes e controlar a cárie dentária.
“O Trichoderma harzianum é uma verdadeira usina na produção de enzimas, fabricando-as até mesmo na presença de lixo orgânico”, explica Aires. Estudo preliminar do grupo mostrou que resíduos industriais de fruta podem colaborar como estimuladores na produção de enzimas pelo fungo.
“Muitas respostas ainda precisam ser obtidas antes de conseguir viabilizar essas enzimas em grande escala, mas estamos no caminho”, pondera a pesquisadora, que é professora associada no Departamento de Ciências Biomoleculares da FCFRP-USP.
A descoberta pode abrir caminho para o desenvolvimento de formulações de higiene oral contendo mutanases acompanhadas de antimicrobianos que superem o problema de propagação bacteriana.
“Nosso grupo tem trabalhado na investigação de agentes antibiofilmes, ou seja, agentes que degradam os biofilmes sem necessariamente matar as bactérias. Nesse contexto, as enzimas têm papel fundamental, principalmente considerando que os exopolissacarídeos bacterianos são o principal fator etiológico para o desenvolvimento e agravamento da lesão de cárie”, detalha a pesquisadora, que desenvolve projetos nas áreas de bioquímica e microbiologia, com triagem de compostos antibiofilmes, assim como atividades antifúngicas e antimicrobianas de produtos naturais.
Em outro artigo, o grupo de pesquisa verificou que há um grande potencial de os rejeitos industriais da manga serem uma fonte para que o fungo possa produzir as enzimas degradadoras de biofilmes.
Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 3,5 bilhões de pessoas sofrem de doenças bucais. Nos últimos 30 anos, de acordo com o levantamento, houve um acréscimo de 1 bilhão de novos casos.
A cárie é a líder entre as ocorrências e afeta 2,5 bilhões de pessoas no planeta. (Ricardo Muniz/Agência FAPESP)