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Surgidas há 200 milhões de anos, distribuição das araucárias foi influenciada por clima e ação humana
A Araucaria angustifolia, também conhecida como pinheiro-do-paraná ou pinheiro-brasileiro, é a principal espécie da Mata de Araucária. Presente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – e de forma mais esparsa em São Paulo e Minas Gerais, estima-se que ela tenha surgido 200 milhões de anos atrás, no período Jurássico.
Existem hipóteses de que a Floresta de Araucárias no sul do Brasil sofreu expansões no passado, impulsionadas por grupos humanos ou por flutuações climáticas do Holoceno e do Pleistoceno.
Além disso, registros de pólen fóssil do pinheiro-do-paraná dão algumas pistas sobre quando isso pode ter ocorrido, mas mesmo assim o momento dessas expansões nunca havia sido estimado.
Uma pesquisa liderada pela bióloga Mariana Vasconcellos, do Instituto de Biociências (IB) da USP, encontrou evidências do período em que essa disseminação teria ocorrido.
Por meio de sequenciamento reduzido de DNA (ddRAseq), aprendizado de máquina e informações de um banco de dados abrangente de registros de pólen fóssil, foi feito um estudo de inferência demográfica histórica e modelagem da distribuição antiga da árvore.
Os resultados indicam que a expansão da A.angustifolia é bem anterior ao que se imaginava. No Sul, ela teria ocorrido há cerca de 70 mil anos, ou seja, anteriormente à ocupação humana. Já na Serra da Mantiqueira, esse processo aconteceu mais recentemente, por volta de três mil anos.
“As mudanças climáticas, com aumento na frequência e intensidade das incursões polares e precipitação extratropical no Sul do Brasil, provavelmente promoveram a expansão precoce dessas árvores adaptadas ao frio no Sul, mas não na Serra da Mantiqueira, mais ao Norte”, escrevem os pesquisadores no artigo. Para eles, “a expansão muito mais recente identificada na população [de árvores] da Mantiqueira pode ser o resultado de mudanças climáticas do Holoceno e/ou do impacto humano, embora as evidências arqueológicas para este último sejam muito escassas”.
“Fui na literatura e verifiquei 64 tipos de estudos distintos em diferentes localidades, em que foi amostrado o solo, e vi onde e quando eles encontraram pólen de araucária, com base nas datações do estudo. Com os dados de distribuição atual da árvore, fizemos modelos correlativos dos pontos de presença com variáveis do clima e aí conseguimos estimar a distribuição da espécie e projetar ela no passado”, explica Mariana Vasconcellos.
A espécie esteve mais bem distribuída há 21 mil anos, durante a última era glacial, e o que vemos hoje são resquícios de uma floresta que foi mais amplamente distribuída no passado. Isso pode ser entendido como uma evidência de que os humanos favoreceram a permanência da floresta onde ela está hoje.
“Nós não encontramos uma assinatura genética de contração e redução populacional da árvore porque na verdade ela pode não ter ocorrido. As condições climáticas para a existência da floresta é que foram ficando mais reduzidas. Mas as populações humanas ali favorecendo o plantio podem ter aumentado a abundância dessas árvores localmente”.
Buscando evidências para entender melhor o cenário, os pesquisadores fizeram o sequenciamento genético da árvore.
“Nós usamos métodos de sequenciamento reduzido do genoma; a gente sequencia partes aleatórias, não necessariamente ele inteiro, e com esses pedaços conseguimos verificar as assinaturas de expansão ou retração populacional.”
A comparação entre esses dois grandes agrupamentos genéticos – região Sul e Serra da Mantiqueira – mostrou uma assinatura muito diferente entre eles.
Os cientistas observaram uma distância genética muito baixa entre localidades muito separadas no Sul do Brasil, o que contraria um processo denominado isolamento por distância – um fator encontrado em populações naturais: quando o aumento da distância geográfica também incorre em aumento na distância hereditária.
Porém, esse modelo, o isolamento por distância, foi encontrado na Serra da Mantiqueira.
Na região Sul, foi constatado um alto nível de fluxo gênico, que é o movimento de genes entre as populações, e muita endogamia, que é o padrão genético encontrado quando indivíduos extremamente aparentados produzem sementes.
Tal falta de norma de isolamento por distância reforçou a hipótese de um efeito da ação humana no Sul.
“Nós acreditamos que esse seja um efeito encontrado nas populações das localidades onde os humanos estariam favorecendo tanto a dispersão de sementes quanto a maior germinação, proporcionando uma maior abundância de indivíduos correlacionados, e esse efeito na floresta no Sul do Brasil foi bem maior do que na Mantiqueira”, relata Mariana.
O consumo do pinhão, semente da araucária, remonta às primeiras populações indígenas que viviam na região Sul do País há pelo menos quatro mil anos.
A grande quantidade de pólen no registro fóssil pode ter sido associada a essa influência humana, que facilitou a germinação das sementes e favoreceu a abundância da espécie na região.
Além disso, especialistas acreditam que o aumento considerável das chuvas durante o Holoceno (período geológico iniciado 11 mil anos atrás e que perdura até os dias atuais) teria facilitado a expansão da floresta mais ao Norte na Serra da Mantiqueira.
Essa interação interespecífica pode não ter sido proposital, mas ajudou na dispersão de sementes e no fluxo gênico. As sementes da araucária são de fácil germinação, fato comprovado por meio de um experimento no Jardim Botânico de Nova York. Grãos de A.angustifolia foram colocados apenas em terra úmida e germinaram, sem necessidade de plantio. Isso significa que a espécie pode ter sido favorecida pelo maior consumo do pinhão, que acarretou numa maior dispersão, ou por um manejo da terra.
A Araucaria angustifolia é bem longeva e não foi encontrado um padrão de contração populacional a partir do genoma das plantas. Acredita-se que gerações futuras irão sentir mais a redução populacional em curso tendo em vista sua maior endogamia.
“Nós achamos que a redução populacional é um problema para qualquer espécie, porque isso reduz a quantidade de potencial adaptativo que ela tem para lidar com mudanças climáticas futuras. Então prevemos que, no futuro, eventos climáticos extremos vão ser mais frequentes, logo, qualquer população que tenha uma maior diversidade genética vai ter mais soluções possíveis para lidar com essas mudanças, enquanto as que apresentam uma uma baixa diversidade genética têm potencial de sofrer mais”, alerta Mariana Vasconcellos. (Pedro Morani/Jornal da USP)