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Tartarugas com tumores indicam que praias estão muito poluídas
As tartarugas-marinhas podem ficar com várias saliências parecidas com verrugas na pele quando infectadas por uma determinada espécie de herpesvírus. Embora benignos, esses tumores podem atrapalhar a alimentação e o deslocamento desses répteis aquáticos.
Em um estudo recente, a equipe do Laboratório de Patologia Comparada de Animais Silvestres (Lapcom) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, em parceria com outros institutos, fez levantamentos diários sobre a distribuição desses tumores em 2.024 tartarugas-verdes (Chelonia mydas) ao longo de 400 km da costa do Espírito Santo, entre 2018 e 2021. Nessa amostra, 40,9% apresentavam tumores pelo corpo.
É a primeira vez que um estudo demonstra que os diversos níveis de crescimento das verrugas e a distribuição pelo corpo são motivados por um mosaico de fatores.
Embora a causa seja o vírus Chelonid alphaherpesvirus 5 (ChHV-5), o ambiente e a predisposição genética de cada tartaruga podem determinar se as erupções vão aparecer ou não após o contágio. Em ambientes mais poluídos, a evolução da doença é muito mais frequente.
A professora aposentada Eliana Reiko Matushima pesquisa essa doença, conhecida como fibropapilomatose, desde 1989. Esse também foi o tema de estudo de muitos de seus orientandos ao longo das três décadas que lecionou.
Existem sete espécies de tartarugas-marinhas no mundo e cinco delas podem ser encontradas no Brasil, porém as principais vítimas dessa mazela são as tartarugas-verdes.
Segundo Eliana, cerca de 15% das tartarugas-verdes encontradas vivas ou mortas no litoral brasileiro podem ter esse aumento anormal de tecido da pele. Os tumores geralmente aparecem na cabeça, pescoço e nadadeiras da frente, o que reforça a hipótese de que a infecção ocorra através da saliva, quando os animais se bicam.
O fibropapiloma não é um câncer, mas o animal pode acabar morrendo porque não consegue realizar atividades simples como antes. Uma mesma tartaruga pode ter centenas de tumores ao longo de todo o corpo, inclusive nos olhos, nas nadadeiras, na boca e em órgãos internos.
“Ela pode ficar presa na rede de pesca, porque os tumores podem ter 20 ou 30 centímetros de diâmetro”, conta a professora. “Às vezes é maior que a cabeça da tartaruga. Isso também faz com que esse animal não consiga nadar direito.”
Os pesquisadores encontraram uma relação entre a presença de sanguessugas e a doença. Apesar das sanguessugas serem potenciais vetores da doença, não é possível afirmar se essa relação é a causa ou consequência da infecção.
Esses parasitas podem tanto ser os culpados pela transmissão do vírus quanto preferir parasitar animais que já possuem essas verrugas, que criam um micro-habitat mais protegido do movimento da água.
“Nós temos as duas possibilidades explicativas, que não são mutuamente excludentes”, revela Robson Guimarães Santos, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Para o professor, a quantidade de animais doentes no litoral indica também que a praia que nós frequentamos está contaminada. “A fibropapilomatose é uma boa fotografia de como o ambiente pode estar degradado.”
Além do esgoto proveniente da urbanização desordenada, a exposição a substâncias químicas de derivados de petróleo e inseticidas também leva a uma maior manifestação dessas verrugas nas tartarugas infectadas com o vírus. “Onde você entra para tomar banho é onde a tartaruga está se alimentando também.”
No Espírito Santo especificamente, somam-se a isso os resíduos do rompimento da barragem da Samarco em 2015, que desceram pelo Rio Doce em direção ao litoral, e o refluxo de água para resfriar as usinas de siderurgia próximas à costa.
“Hoje não temos dados para ligar o aumento da doença ao desastre de Mariana em si. Mas, certamente, quanto mais poluente no ambiente, maior a chance de desenvolver uma fibropapilomatose, que é uma doença multifatorial. A qualidade do ambiente está na raiz da manifestação dela”, avalia Robson.
As águas das usinas, por sua vez, além de possuírem pequenas concentrações de metal acompanhadas de poluentes, favorecem o desenvolvimento dos tumores diretamente ao elevar a temperatura.
Não bastasse isso, a água mais quente torna o ambiente mais confortável para os répteis, o que aumenta a concentração populacional num pequeno espaço e, consequentemente, a transferência do vírus entre esses animais marinhos.
A doença ocorre com mais frequência nas áreas mais poluídas da costa, longe das ilhas onde as tartarugas migram na fase adulta para se acasalarem, como conta a professora. “A prevalência é extremamente alta em Chelonia mydas na idade juvenil, quando não estão aptas à reprodução ainda.”
No Brasil, elas nascem nas ilhas mais isoladas. Após cerca de cinco anos de desenvolvimento da zona oceânica, passam a se alimentar intensamente das algas do litoral, que favorecem evolução da doença, e retornam para o mesmo local de nascimento no período de reprodução.
As tartarugas que sobrevivem normalmente estão sem tumores na fase adulta, como explica Robson. “Não quer dizer necessariamente que o papiloma regrediu em todos animais. Pode ser que aqueles que tinham papiloma tinham uma chance maior de morrer.”
O aquecimento global também afeta a espécie de uma maneira surpreendente. As fêmeas têm mais chances de nascer quando os ovos são deixados em locais quentes, enquanto o contrário favorece o nascimento de machos. “Uma temperatura de um grau a mais ou a menos determina uma população 100% macho ou fêmea”, pondera Eliana. (Ivan Conterno/Jornal da USP)