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Terapia mediada pelos pais para crianças no espectro autista
Um dos aspectos mais importantes no cuidado e tratamento de crianças dentro do transtorno do espectro autista (TEA) é garantir que desenvolvam sua autonomia e capacidade de comunicação.
No cenário nacional, muitas vezes o acesso a terapias que auxiliam nesse processo é limitado por conta das disparidades regionais ou ainda da carência de profissionais capacitados.
Para contribuir com a melhora desse cenário, a psicóloga e pesquisadora Elizabeth Shephard e colaboradores estudam e promovem uma nova abordagem, a PACT (paediatric autism communication therapy), ou terapia de comunicação pediátrica para autismo. Trata-se de um processo mediado pelos pais, com apoio de um especialista, com enfoque na comunicação e interação, a partir dos interesses da criança.
Shephard desenvolve seu projeto no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.
A terapia adotada nos diversos serviços de saúde é a ABA (applied behavior analysis), ou análise comportamental aplicada, que é uma abordagem mais estruturada, liderada por um terapeuta, com foco na mudança de comportamentos específicos a partir de incentivos.
Shephard explica que uma das limitações da ABA é a escassez de evidência científica que embase sua utilização, especialmente em longo prazo e em serviços públicos de saúde.
A proposição da PACT foi feita em 2004 por Jonathan Green, professor de psiquiatria infantil e adolescente na Universidade de Manchester, a fim de implementar no Reino Unido uma intervenção com maior solidez científica. Estudos mostraram que a PACT melhorou significativamente a comunicação social das crianças e o bem-estar das famílias, com os efeitos persistindo após seis anos.
Mas como funciona a terapia na prática? O processo se inicia com uma análise de um vídeo da criança brincando livremente com o responsável.
O terapeuta habilitado na PACT usa o vídeo para mostrar aos pais os aspectos positivos daquela interação, reforçando os comportamentos benéficos para o desenvolvimento da comunicação.
Um comportamento que costuma ser encorajado, por exemplo, é o de fazer comentários em vez de perguntas.
“O uso de muitas perguntas coloca demandas no processamento de linguagem da criança autista. Isso é muito estressante para a criança, até mesmo uma sobrecarga para ela. Então ajudamos os adultos a fazer menos perguntas e mais comentários. O importante é usar linguagem simples relacionada ao foco de interesse da criança e reforçar aquilo que ela quer comunicar”, afirma Shephard.
No Reino Unido, terapias de comunicação social, como a PACT, foram integradas ao rigoroso NHS, o sistema nacional de saúde do país, como primeira linha de tratamento para pessoas com TEA. Agora o desafio é averiguar se essa vantagem se apresentaria também no contexto brasileiro.
O custo-efetividade deve ser objeto de pesquisas a partir de 2025. A respeito de aceitação e eficácia, já há estudos em andamento e até alguns resultados.
Em edição recente da revista Autism, Shephard e sua aluna de doutorado, Priscilla Godoy, descreveram que os pais brasileiros relataram uma maior compreensão das necessidades de seus filhos e uma melhoria na comunicação social das crianças após a realização da PACT.
A terapia, mediada por eles, permitia que as interações ocorressem em um ambiente familiar, promovendo uma abordagem mais natural e menos estruturada que as terapias tradicionais, como a ABA.
Um aprendizado advindo do estudo qualitativo é que possivelmente um acompanhamento mais de perto dos pais no início da terapia, com uma explicação mais aprofundada da abordagem, pode produzir resultados ainda mais interessantes.
Enquanto isso, o projeto Floreah (jogo de palavras com “Florescer”, “TEA” e “TDAH”), que recrutou bebês a partir de 6 meses de idade, busca entender o possível benefício de uma intervenção precoce relacionada à PACT, a terapia iBASIS, em bebês que apresentam propensão para desenvolver autismo e/ou TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade). O recrutamento já foi encerrado, e os resultados devem começar a ser publicados a partir de 2025.
Para que os estudos e a aplicação da PACT possam, no médio prazo, ter abrangência nacional, foi necessário ainda criar um ambiente de formação para os terapeutas, explica Shephard.
“Priscilla e eu abrimos o centro de treinamento [PACT Brasil], para que pessoas possam treinar em português, no Brasil, e com um custo mais acessível, menos da metade do que gastariam no centro do Reino Unido. Traduzimos e adaptamos todo o manual para o português brasileiro, garantindo que o sentido fosse preservado, ainda considerando diferenças culturais e sociodemográficas”, diz a pesquisadora.
“Até agora, 16 profissionais foram formados, mas nosso objetivo é aumentar significativamente esse número nos próximos anos”, conclui. (Gabriel Alves/Agência FAPESP)