Saúde |
Tratamento com testosterona reverte efeitos de doença rara que afeta sangue e pulmões
Estudo clínico do Hemocentro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP desenvolveu um tratamento específico para a doença dos telômeros, um distúrbio raro que encurta precocemente as pontas dos cromossomos das células do corpo, afetando a produção de sangue pela medula óssea e o funcionamento dos pulmões.
Durante dois anos, os pacientes receberam injeções de nandrolona, um derivado sintético do hormônio testosterona, já usada para outras doenças e, ao final do tratamento, apresentaram reversão do encurtamento acelerado dos cromossomos, melhoras no sangue e da função pulmonar, nos casos que o órgão foi afetado.
O estudo procurou desenvolver um tratamento clínico para pacientes com doença dos telômeros, um tipo hereditário de falência da medula óssea, enfermidade rara e pouco pesquisada, que carece de tratamento eficaz para impedir sua progressão.
“Nossos cromossomos armazenam toda nossa informação genética em cada célula do nosso corpo, e os telômeros são as pontas destes cromossomos. Eles protegem os cromossomos”, afirma o médico Diego Villa Clé, do Hemocentro de Ribeirão Preto, que coordenou a pesquisa.
“Cada vez que a célula se divide para dar origem a duas novas células, o telômero se encurta um pouco. Assim, ele é um marcador do envelhecimento de cada célula.”
Segundo o médico, nessa doença há um defeito na enzima responsável por produzir os telômeros, chamada telomerase.
“O mal funcionamento desta enzima faz com que eles se encurtem mais rapidamente, em todas as células do corpo, principalmente nas que mais se dividem, como a medula óssea, que produz nosso sangue, e, por isso, as principais manifestações clínicas são as alterações no hemograma, como anemia, contagens baixas de leucócitos e plaquetas, chamadas de falência medular”, descreve.
“Outros órgãos que sofrem com o encurtamento precoce dos telômeros são pulmão, manifestado como fibrose pulmonar, e o fígado, que apresenta cirrose hepática, além de pele com manchas, unhas malformadas e cabelo branco precoce.”
“É uma doença muito rara, porém de incidência real desconhecida. É subdiagnosticada, e portanto, subnotificada. Como é pouco conhecida, faz-se pouco o diagnóstico”, observa Villa Clé.
“Não há tratamento específico atualmente, que evite sua progressão. Quando ela se manifesta nos diversos órgãos, o que se faz é realizar o transplante ou de medula óssea, ou de pulmão ou de fígado. Mas trata-se apenas a consequência, não a causa.”
Durante dois anos, os pacientes foram tratados com nandrolona, um derivado sintético da testosterona. “Todos os que completaram o tratamento tiveram aumento do comprimento dos telômeros, objetivo primário do estudo, e 67% deles apresentaram melhora da doença hematológica, das contagens do hemograma e, em sua maioria, interrupção da necessidade de transfusões”, relata o médico.
“Alguns pacientes também apresentavam fibrose pulmonar e eles tiveram estabilização do funcionamento dos pulmões. Esse tratamento foi bem tolerado, com efeitos colaterais leves a moderados, e manejáveis, e pode ser uma opção para tratar a doença.”
“Antes dos testes em pacientes foram muitos anos de pesquisa básica tentando achar um agente que impedisse o encurtamento precoce dos telômeros. Tanto nosso grupo, quanto os de outros países, realizaram vários estudos, inclusive in vitro [em células de laboratório] previamente, até chegarmos nos análogos de hormônios masculinos”, observa Villa Clé.
“Um estudo clínico anterior, conduzido nos Estados Unidos, já havia demonstrado bons resultados com uso de danazol, um análogo oral da testosterona. No nosso trabalho, usamos um derivado sintético, a nandrolona, aplicada em injeções quinzenais.”
De acordo com o médico, o tratamento já está disponível para uso clínico.
“O medicamento é adotado há vários anos para outras doenças, é seguro, desde que empregado sob supervisão médica, podendo ser uma esperança de evitar as complicações decorrentes do encurtamento precoce dos telômeros”, conclui. (Júlio Bernardes/Jornal da USP)